sábado, 25 de julho de 2015

Sétima Arte | Straw Dogs

Tenho alguns filmes sobre os quais quero comentar aqui, mas quando me lembro de fazer a crítica tenho sempre alguma coisa para fazer. Vi à uns dias o Straw Dogs que foi transmitido na SIC. Surpreendentemente é um filme que é transmitido com alguma frequência, já é a segunda vez que por acaso o "encontro". Digo que é uma surpresa porque tem uma boa dose de imagens violentas e fortes. Nunca vi o original - este é um remake de 2011 - mas calculo que as cenas de violência sejam igualmente ou mais perturbadoras. A versão original, de 1971, chegou a ser proibida na Inglaterra. Foi para os cinemas mas a sua comercialização foi proibida até 2002.
David e Amy Sumner (James Marsden e Kate Bosworth) mudam-se da movimentada e frenética cidade de Los Angeles para a pacata e serena terra sulista americana de Blackwater em busca de paz e de uma vida mais calma. David é um argumentista de Hollywood que quer terminar de escrever o guião do seu próximo filme histórico sobre a batalha de Estalinegrado enquanto Amy é uma bela actriz e o orgulho daquela pequena terra, onde nasceu e foi criada.
Desde a primeira cena que percebemos os inegáveis contrastes culturais entre o casal recém chegado e os habitantes da pequena cidade. David é claramente marcado pela educação de Harvard, é politicamente correcto e ouve música clássica. Do outro lado está um grupo de rapazes acostumados a trabalhar com as mãos, que vão à igreja aos domingos, gostam da caça e vão sempre ver futebol da equipa da terra. Esse grupo é liderado pelo musculado com um olhar brutalmente frio e distante ex-namorado de Amy, Charlie (Alexander Skarsgård).
Entretanto, Charlie e os seus amigos são contratados por David para arranjar o telhado do celeiro da antiga casa do pai de Amy, que pretendem restaurar para posteriormente a habitar. As desavenças começam logo no primeiro dia quando os rapazes chegam "demasiado cedo" para trabalhar. Continuam quando um dos rapazes de Charlie entra na cozinha, sem bater à porta ou pedir autorização e se serve de uma cerveja como se estivesse na sua própria casa. Amy, no entanto, desvaloriza o assunto e diz que naquela pacata terra as portas nunca eram trancadas porque toda a gente se conhecia e havia confiança. David acaba por ceder. No entanto, também Amy começa a ficar incomodada com os olhares de assédio dos rapazes quando vai correr ou quando está por perto. Depois de confessar o seu incómodo ao marido, este sugere-lhe que talvez ela estivesse a sujeitar-se a isso, e talvez fosse melhor se ela se vestisse de forma mais apropriada. 
Das personagens secundárias, o meu destaque é completamente entregue a Tom Heddon (James Woods) que é o antigo treinador da equipa de futebol e que de certa forma educou aqueles rapazes ao ponto de eles fazerem tudo por ele (inclusive matar se necessário for, e é). Tom, depois de reformado e retirado do futebol, está constantemente no bar local a beber até que a bebida lhe seja recusada - e quando é, ele continua a beber. Tem um comportamento violento, principalmente com Niles (Dominic Purcell), um homem com graves problemas de saúde de quem a sua filha, categoricamente mais nova, está constantemente a tentar aproximar-se. É ele a ponte entre estes miúdos e a sua educação - são moldados à sua imagem.
O filme acaba com cenas de violência bastante brutais, perpetradas pelos rapazes e pelo treinador que vão atrás de Niles, que se encontra na casa de Amy e David. Apesar destes não serem o alvo da violência em primeiro lugar, já o haviam sido por mais de uma vez. Primeiro, os olhares de assédio a Amy. Depois o quase acidente de David, que ia sendo provocado pelos rapazes. Ainda o gato enforcado dentro do armário. A seguir a caça, "tão importante e tradicional na terra" a que David acede ir acompanhado por Charlie e os seus amigos mas que acaba sozinho na beira da estrada com uma caçadeira na mão quando descobre que afinal não era época de caça e tinha sido enganado. Isto sem saber que em casa, a sua mulher está a ser violada por Charlie e por um dos seus companheiros. No fim, o cenário não podia ser outro!
Fiquei com imensa curiosidade de ver o filme original. Sem dúvida que o que mais contribui para este filme é o desempenho dos actores que é excelente, principalmente de James Mardsen e do sueco Alexander. A edição e fotografia também têm qualidade, com um ar vintage e moderno em simultâneo. O pior é o enredo ser por vezes demasiado forçado e repetitivo, sabemos sempre de antemão que vai acontecer o pior. E parece que os protagonistas não se desviam dele. Depois do gato ser enforcado na sua própria casa, nada fazem. Apenas tentam apurar os responsáveis de forma infantil. São repetidamente provocados sem nada fazer. Depois de Amy se sentir assediada, expõe-se ainda mais quando desabotoa a camisa em frente aos rapazes. Depois de ser violada, também não reage. São demasiados acontecimentos sem nenhuma resposta.
No fim, a conclusão só pode ser uma: por muito civilizados e educados que sejamos, acabamos por ser iguais a toda a gente. Todos temos uma dose de monstros e de violência em nós. É uma característica da condição humana da qual ninguém consegue fugir, mesmo que tente resistir e mesmo que pensa que não é assim e é diferente das outras pessoas.
A origem do nome Cães de Palha ou Straw Dogs é chinesa. São bonecos que são todos aperaltados e colocados num altar, mas não porque são adorados. No final ninguém quer saber deles nem têm importância. São descartados. Numa das cenas, David faz referência a esta tradução e compara-os com Charlie e o resto do grupo. Um filósofo e alquimista chinês explica o conceito num poema seu:
O céu e a terra não são humanos
Não tem qualquer piedade.
O sábio não tem predileções,
É impiedoso ao tratar as pessoas como cães de palha
que serão destruídos no sacrifício.

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