sexta-feira, 31 de julho de 2015

Sétima Arte | Fury

O primeiro pensamento que tive quando comecei a ver o filme: está aqui um elenco surpreendentemente bom. Começa por Brad Pitt, o príncipe de Hollywood que é muito mais do que uma cara bonita e já deixou isso bem claro no mundo do cinema; dispensa apresentações. Shia LaBeouf, que passa da cara de menino que conhecemos em Transformers para interpretar um soldado que cita a bíblia em momentos de maior stress. Michael Peña que já todos conhecemos de algum filme porque tem um currículo extenso. Jon Bernthal, que aparece totalmente diferente de The Wolf of Wall Street, onde aparece diferente de The Walking Dead, mas onde quer que seja, está sempre impecável. Por fim, Logan Lerman que apesar de ser um miúdo de pouco mais de 20 anos já tem um bom currículo que conta com Noah, The Perks of Being a Wallflower e 3:10 to Yuma, entre outros Ao início admito que não reconheci de imediato o miúdo assustado que foi treinado para dactilografar 60 palavras por minuto e nunca tinha visto um tanque antes, a verdade é que já tinha visto pelo menos três filmes do seu currículo (os que citei anteriormente).
O segundo pensamento foi: eu quero chorar desesperadamente, o mundo é tão cruel e os homens podem ser os seres mais desprezíveis de que há memória, a guerra é tão estúpida e desnecessária, que filme espectacular. Pronto, não foi só um pensamento. Foi um turbilhão deles que chegavam à minha cabeça a uma velocidade descontrolada e sem ordem nenhuma. Um realizador americano do qual não me recordo o nome uma vez disse que os filmes de guerra devem ter o intuito de transmitir ao espectador o que é, de facto, estar na guerra. Acho que é impossível fazê-lo porque acredito que a guerra é o cenário mais horripilante em que se pode inserir um ser vivo e por isso só quem lá está sabe e por muito que tente expressar nunca ninguém saberá realmente o que é estar na guerra. No entanto David Ayer tentou transmitir-nos o que é estar na guerra com este Fury. Foi bem sucedido na missão. Sem dúvida nenhuma que é um filme muito duro em que apetece chorar porque estar ali é demasiado cruel. Há um misto de sentimentos em relação à maioria das personagens: eles matam, têm atitudes desprezíveis mas no fim só querem ir para casa e não temos noção dos traumas que lhes são infligidos na guerra. Sempre foi o que achei dos soldados, são heróis desprezíveis.
Alemanha, Abril de 1945. A primeira cena é o retrato da guerra. Destroços por todo o lado. Tanques a arder. Corpos no chão. É Abril mas parece o dia mais invernoso na terra. Fumo. Não há sinais de vida. Até que aparece um belo cavalo branco com um soldado alemão. Wardaddy (Brad Pitt), o sargento do tanque Fury elimina o soldado e conhecemos o resto da equipa: Bible (Shia LeBouef), Gordo (Michael Peña) e Coon-Ass (Jon Bernthal); estes são, obviamente, os seus nomes de guerra. Os únicos sobreviventes de um pelotão inteiro. O que sobrou. Os que conseguiram. Os danos são irreparáveis: apesar de os danos do tanque poderem ser reparados, os danos destes homens já são como as marcas que carregam na pele. Um membro da equipa está morto. É a guerra. Quando alcançam outros pelotões é-lhes designado um novo membro para substituir o soldado que morreu. Extremamente assustado tem de limpar o interior do tanque, onde há medalhas nazis penduradas e partes do corpo humano e sangue, muito sangue. A reacção é a reacção que qualquer miúdo teria: a enorme vontade de ir para casa.
Podia descrever o filme todo de tão belo e atroz que é. As cenas de guerra tão boas e cruéis em que as cores dominantes são o castanho e o cinzento e que não dão sequer margem para perceber que é primavera. A obrigação que sente Wardaddy em proteger os seus homens e entregá-los vivos ao mesmo tempo que mostra um ódio visceral a tudo o que é nazi, em especial às SS. A atitude forte e quase antagónica que tem com um corpo forte cheio de cicatrizes. A sujidade que parece parte integrante de todos. A construção de Norman (Logan Lerman), que ao início não consegue sequer conceber a ideia de matar alguém, que não sabe o que fazer nem quer lá estar mas que acaba por se fazer um soldado que odeia os nazis com toda a sua força e capaz de matar todos aqueles que lhe apareça à frente. A ironia da frase que todos usam: Best job I ever had. Algumas das cenas mais interessantes são aquelas mais descontraídas em que a equipa dentro do tanque consegue rir das coisas mais estúpidas no meio daquele deserto de mortos e guerra.
Talvez não seja o filme mais realista sobre a guerra. Acredito que a guerra, a guerra mesmo nua e crua, não seja assim. Acredito que seja muito pior. No entanto, este filme é capaz de propiciar ao espectador uma realidade talvez mais interessante: a dinâmica e complexa relação entre Wardaddy e o resto da sua equipa, a parte psicológica da guerra. Talvez seja mais sobre as relações que se criam e se alimentam na guerra, as relações humanas do que sobre a guerra em si mesmo.
Os actores estão brilhantes, desempenhos excelentes assim como a direcção que não desilude em nenhum aspecto. Um dos filmes mais memoráveis de 2014 e que irá figurar entre os meus favoritos. É realmente brutal e belo ao mesmo tempo. E doloroso o tempo todo. E é, sem dúvida nenhuma, por causa de filmes como este que eu gosto tanto tanto de cinema.
No fim percebemos o que Bible pretende dizer a Norman pouco depois de se conhecerem. Bible pede-lhe que espere para ver o que é a guerra. Norman, inocentemente, pergunta pelo que esperar. Bible é suscinto: Wait to see what a man can do to each other.

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