Pergunto continuamente a mim próprio:
será um sinal de cobardia ou um sinal de maturidade?
CARL SAGAN, O Ponto Azul-Claro, 1995
A pergunta de Carl Sagan não está, de nenhum modo, directamente ligada ao Vitória. Aliás, nem directa nem indirectamente. Quando a escreveu em 1995, no livro que está agora na minha mesa-de-cabeceira, questionava-se se o retrocesso da exploração espacial depois das décadas douradas de 60 e 70, em que os homens chegaram à Lua pela primeira vez e foi feito um reconhecimento preliminar do sistema solar até Neptuno em missões que enviaram para a Terra informações valiosas, seria um sinal de cobardia ou maturidade. Sagan questiona o porquê de estarmos atemorizados por causa de uma viagem a Marte quando há 7 mil anos os nossos antepassados atravessaram os mares polares em embarcações abertas ou circum-navegaram a Terra impulsionados apenas pelo vento. Será cobardia abandonar a ideia de tal viagem? Depois questiona-se se não será afinal um sinal de maturidade ficar "em casa" em vez de partir para uma viagem a um mundo desconhecido; afinal quantas crianças podiam ser salvas apenas com o dinheiro de uma hipotética missão tripulada a Marte?
Depois da entrevista concedida por Júlio Mendes à Rádio Fundação, com um discurso sempre na base da cautela e do realismo e nas palavras do próprio "alimentando a esperança mas não o fazendo de forma irresponsável", não pude deixar de transpor esta pergunta para a situação do Vitória dos últimos anos. A direcção anterior, presidida por Emílio Macedo da Silva e eleita em 2007, devolveu o Vitória ao escalão máximo do futebol português depois de uma breve passagem pelo "inferno" e deixou os destinos do clube no final de um mandato e meio por causa da forte contestação à sua gestão financeira. Em 2012 é eleito Júlio Mendes; no ano seguinte constitui a SAD e o Vitória conquista a tão almejada Taça de Portugal e verifica-se uma melhoria na vertente financeira do clube, depois de um período muito negativo que incluía salários em atraso e um passivo ridiculamente elevado à altura da eleição. É reeleito para um segundo mandato em 2015.
Referi, de cada direcção, os pontos que julgo serem mais marcantes e positivos, pelo menos no que ao futebol profissional diz respeito. Não pretendo traçar nenhum paralelismo entre ambas as direcções, nem fazia sentido fazê-lo! O que não consigo deixar passar é que, pelo menos, nos últimos 10 anos, sob a alçada destas duas últimas direcções, o Vitória tem sido um monstro adormecido que vai dando uns sinais de que pode acordar mas que cai num sono mais ou menos profundo outra vez. Desde a época 2007/2008 em que regressámos à primeira divisão e alcançámos, com Manuel Cajuda no comando técnico, o 3º lugar na tabela classificativa, não acabámos a época nos quatro primeiros lugares e terminamos abaixo da sétima posição em quatro temporadas. Alcançamos o 5º lugar em duas épocas: em 2010/11 com Manuel Machado e em 2014/15, com Rui Vitória e terminamos, também por duas vezes, no 10º lugar: em 2013/14 com Rui Vitória e na época passada com Armando Evangelista e Sérgio Conceição. Ou seja, nas últimas três épocas acabamos por duas vezes no 10º lugar. São números alarmantes e que, julgo eu, preocupam qualquer vitoriano e agradam apenas aos adversários. Números que mostram que desportivamente (e apenas desportivamente) o Vitória tem ficado para trás e tem sido tristemente ultrapassado pelos rivais.
Júlio Mendes disse, durante a Assembleia Geral do sábado passado, que basta apenas "uma gota de água para o copo transbordar". Não sei o que quis exactamente dizer com isso, se pretendia ter mais cuidado na preparação e gestão da próxima época para que possa correr melhor ou se a situação do Vitória continua frágil a esse ponto. O que sei é que os Vitorianos têm segurado incondicionalmente esse copo de água, com paciência e a dedicação de sempre. O problema em segurar um copo de água, ou qualquer outro objecto, é o tempo. O peso desse copo é sempre o mesmo. Se pesar 100 gramas hoje e não houver alterações vai pesar efectivamente 100 gramas amanhã e depois de amanhã. Quando pegamos num copo de água que pesa 100 gramas é perfeitamente suportável, aguentámos, temos paciência quando nos pedem, é apenas incómodo. Se pegarmos num copo de água que pesa 100 gramas durante muito tempo dá-nos a sensação de que pesa mais, o braço acaba por ficar dormente e o peso passa a ser insuportável consoante o tempo vai passando - apesar de serem os mesmos 100 gramas de sempre. O que quero dizer é que o "copo" começa a pesar nas mãos vitorianas depois de tantas épocas a pedir paciência e calma, depois de esgotar todas as desculpas possíveis, depois de esperar por dias melhores e serem sempre dias iguais e depois da instabilidade relatada no parágrafo acima, de ver o "monstro" dar sinais de estar a acordar mas de voltar a adormecer de seguida.
Volto à minha pergunta inicial: será um sinal de cobardia ou maturidade? As respostas serão as mais variadas, naturalmente. Haverá quem acredite que é um sinal de cobardia (não será a palavra mais indicada mas acho que se adequa) negligenciar a aposta desportiva em nome de uma política financeira estável e sólida no futuro e haverá quem acredite que é um sinal de maturidade fazê-lo. Para outros, e para mim. é uma dicotomia falsa. Não podemos alcançar a plenitude em ambos os campos? Não se podem fazer campeonatos consistentes e que honrem este símbolo tão bonito enquanto se faz uma gestão financeira condizente e que traga garantias? Não acredito que seja fácil e não estou a dizer que é, mas acredito que seja possível com muito esforço, espírito de sacrifício e paixão. O Vitória não é como os outros, tem um suporte mais forte e resistente do que os outros e por isso aqui é possível fazer o que parece impossível a muitos.
Nós também pousamos os pés na lua em 2013 quando o nosso capitão elevou a Taça bem alto para que todos pudessem ver que era nossa e de mais ninguém, conquistada com muito trabalho e esforço de todos os que faziam parte do Vitória - desde o roupeiro ao adepto mais pequenino, passando por todos os profissionais que envergavam o símbolo fosse no equipamento com que pisavam a relva ou no fato que vestiam na bancada. Foi o resultado de um esforço colectivo. No entanto há muito mais para ver e para conquistar e a Lua foi só o primeiro passo. O retrocesso que houve depois das décadas de 60 e 70 na exploração espacial pode ser talvez comparável com a situação do Vitória nos últimos anos. Um estagnamento que desencoraja e entristece. Somos muito mais do que isto e podemos fazer muito mais do que estamos a fazer, não tenho dúvidas disso. Para que tal aconteça é preciso fazer-se mais do que o que se está a fazer. Se queremos escalar o céu, e conquistá-lo, não podemos ficar apenas a olhar para as estrelas. Tal como os nossos antepassados nunca tivemos medo de lutar, vamos ter agora?
Depois da entrevista concedida por Júlio Mendes à Rádio Fundação, com um discurso sempre na base da cautela e do realismo e nas palavras do próprio "alimentando a esperança mas não o fazendo de forma irresponsável", não pude deixar de transpor esta pergunta para a situação do Vitória dos últimos anos. A direcção anterior, presidida por Emílio Macedo da Silva e eleita em 2007, devolveu o Vitória ao escalão máximo do futebol português depois de uma breve passagem pelo "inferno" e deixou os destinos do clube no final de um mandato e meio por causa da forte contestação à sua gestão financeira. Em 2012 é eleito Júlio Mendes; no ano seguinte constitui a SAD e o Vitória conquista a tão almejada Taça de Portugal e verifica-se uma melhoria na vertente financeira do clube, depois de um período muito negativo que incluía salários em atraso e um passivo ridiculamente elevado à altura da eleição. É reeleito para um segundo mandato em 2015.
Referi, de cada direcção, os pontos que julgo serem mais marcantes e positivos, pelo menos no que ao futebol profissional diz respeito. Não pretendo traçar nenhum paralelismo entre ambas as direcções, nem fazia sentido fazê-lo! O que não consigo deixar passar é que, pelo menos, nos últimos 10 anos, sob a alçada destas duas últimas direcções, o Vitória tem sido um monstro adormecido que vai dando uns sinais de que pode acordar mas que cai num sono mais ou menos profundo outra vez. Desde a época 2007/2008 em que regressámos à primeira divisão e alcançámos, com Manuel Cajuda no comando técnico, o 3º lugar na tabela classificativa, não acabámos a época nos quatro primeiros lugares e terminamos abaixo da sétima posição em quatro temporadas. Alcançamos o 5º lugar em duas épocas: em 2010/11 com Manuel Machado e em 2014/15, com Rui Vitória e terminamos, também por duas vezes, no 10º lugar: em 2013/14 com Rui Vitória e na época passada com Armando Evangelista e Sérgio Conceição. Ou seja, nas últimas três épocas acabamos por duas vezes no 10º lugar. São números alarmantes e que, julgo eu, preocupam qualquer vitoriano e agradam apenas aos adversários. Números que mostram que desportivamente (e apenas desportivamente) o Vitória tem ficado para trás e tem sido tristemente ultrapassado pelos rivais.
Júlio Mendes disse, durante a Assembleia Geral do sábado passado, que basta apenas "uma gota de água para o copo transbordar". Não sei o que quis exactamente dizer com isso, se pretendia ter mais cuidado na preparação e gestão da próxima época para que possa correr melhor ou se a situação do Vitória continua frágil a esse ponto. O que sei é que os Vitorianos têm segurado incondicionalmente esse copo de água, com paciência e a dedicação de sempre. O problema em segurar um copo de água, ou qualquer outro objecto, é o tempo. O peso desse copo é sempre o mesmo. Se pesar 100 gramas hoje e não houver alterações vai pesar efectivamente 100 gramas amanhã e depois de amanhã. Quando pegamos num copo de água que pesa 100 gramas é perfeitamente suportável, aguentámos, temos paciência quando nos pedem, é apenas incómodo. Se pegarmos num copo de água que pesa 100 gramas durante muito tempo dá-nos a sensação de que pesa mais, o braço acaba por ficar dormente e o peso passa a ser insuportável consoante o tempo vai passando - apesar de serem os mesmos 100 gramas de sempre. O que quero dizer é que o "copo" começa a pesar nas mãos vitorianas depois de tantas épocas a pedir paciência e calma, depois de esgotar todas as desculpas possíveis, depois de esperar por dias melhores e serem sempre dias iguais e depois da instabilidade relatada no parágrafo acima, de ver o "monstro" dar sinais de estar a acordar mas de voltar a adormecer de seguida.
Volto à minha pergunta inicial: será um sinal de cobardia ou maturidade? As respostas serão as mais variadas, naturalmente. Haverá quem acredite que é um sinal de cobardia (não será a palavra mais indicada mas acho que se adequa) negligenciar a aposta desportiva em nome de uma política financeira estável e sólida no futuro e haverá quem acredite que é um sinal de maturidade fazê-lo. Para outros, e para mim. é uma dicotomia falsa. Não podemos alcançar a plenitude em ambos os campos? Não se podem fazer campeonatos consistentes e que honrem este símbolo tão bonito enquanto se faz uma gestão financeira condizente e que traga garantias? Não acredito que seja fácil e não estou a dizer que é, mas acredito que seja possível com muito esforço, espírito de sacrifício e paixão. O Vitória não é como os outros, tem um suporte mais forte e resistente do que os outros e por isso aqui é possível fazer o que parece impossível a muitos.
Nós também pousamos os pés na lua em 2013 quando o nosso capitão elevou a Taça bem alto para que todos pudessem ver que era nossa e de mais ninguém, conquistada com muito trabalho e esforço de todos os que faziam parte do Vitória - desde o roupeiro ao adepto mais pequenino, passando por todos os profissionais que envergavam o símbolo fosse no equipamento com que pisavam a relva ou no fato que vestiam na bancada. Foi o resultado de um esforço colectivo. No entanto há muito mais para ver e para conquistar e a Lua foi só o primeiro passo. O retrocesso que houve depois das décadas de 60 e 70 na exploração espacial pode ser talvez comparável com a situação do Vitória nos últimos anos. Um estagnamento que desencoraja e entristece. Somos muito mais do que isto e podemos fazer muito mais do que estamos a fazer, não tenho dúvidas disso. Para que tal aconteça é preciso fazer-se mais do que o que se está a fazer. Se queremos escalar o céu, e conquistá-lo, não podemos ficar apenas a olhar para as estrelas. Tal como os nossos antepassados nunca tivemos medo de lutar, vamos ter agora?
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