terça-feira, 31 de maio de 2016

A cadeira de sonho

Considero-me uma pessoa comedida. Costumo ser positiva mas não tenho o hábito de me dar a grandes esperanças para que, em caso de queda, esta possa ser amortizada ou ligeiramente amparada. A pouco mais de um mês do início dos trabalhos de pré-época, confesso-me mais esperançosa do que estava no início da época passada. Essa confiança passa por me parecer que a época está a ser melhor preparada e porque tenho mais confiança no trabalho de Pedro Martins do que tinha no de Armando Evangelista quando assumiu o comando técnico do Vitória a meio de Junho do ano passado. Na altura da sua apresentação dei-lhe o benefício da dúvida porque não tinha feito um mau trabalho na equipa B e porque já fazia parte da estrutura do Vitória, conhecia a história e objectivos do clube. Infelizmente percebemos rapidamente que não estava à altura de um clube como este nem possuía ainda qualidades para tal.

Ser treinador do Vitória não é para qualquer um porque o Vitória não é qualquer um. Sou suspeita para o dizer, reconheço-o. No entanto acho que não é uma afirmação disparatada. O Vitória distingue-se pela sua unicidade e mística tão ímpares e raras em Portugal. Esta distinção é reconhecida pelos que estão de fora por uma diversidade de factores. Começo pela história. Não nascemos dos outros nem fomos clube satélite de ninguém como muitos o foram e ainda são. Nascemos de ideais e princípios próprios. Não há origem ou fundação mais verdadeira do que esta. Uma história profundamente entrelaçada com a história de Guimarães e Portugal: basta olhar o nosso símbolo para o saber. No nosso símbolo está a figura daquele que iniciou a conquista deste país, de espada na mão, sonhos na cabeça e uma ambição extraordinária. Ficou na história como O Conquistador. Enquanto vimaranenses e vitorianos somos a descendência directa do primeiro rei de Portugal. Os conquistadores. Não garanto a veracidade histórica de tal afirmação, mas julgo que é difícil alguém duvidar do que disse quando vê estes adeptos de cachecol ao peito e com os olhos a brilhar de tanto orgulho independentemente do resto. Somos apaixonados e a nossa paixão, dedicação e amor fazem-nos ser exigentes com todos os que representam este símbolo. Treinar o Vitória é difícil, reconheço-o.

Pedro Martins assume agora os comandos da equipa. Parece-me ser um homem com postura, inteligente e com qualidade. Não tem uma carreira longa como treinador na 1ª liga, mas até agora fez um bom trabalho nas equipas por onde passou. Iniciou a carreira no escalão máximo do futebol português no Marítimo na época 2010/2011. Fez a ascensão da equipa B para a equipa principal para substituir Mitchell van der Gaag. O mesmo aconteceu com Armando Evangelista no Vitória. A diferença é que Pedro Martins foi uma "aposta" ganha. Nas três épocas seguintes garantiu os objectivos do clube no campeonato para além de ter alcançado por duas vezes os oitavos de final na Taça de Portugal (em 2012/2013 foram eliminados da competição em Guimarães, pelo Vitória que acabou por se consagrar o vencedor). Em 2014 trocou a Madeira por Vila do Conde para orientar o Rio Ave por duas épocas onde voltou a assegurar os objectivos do clube no campeonato e onde fez boas campanhas mais uma vez na Taça de Portugal ao conduzir por dois anos seguidos o Rio Ave às meias-finais da competição, onde foi pelas duas vezes eliminado pelo Braga que foi o vencedor na época transacta. Não o conheci enquanto jogador mas saber que envergou a branquinha em 1994/1995 dá-me alguma confiança no que toca aos conhecimentos e carinho que tem pelo clube. Tem agora o maior desafio da sua carreira, disso estou certa. Está "na cadeira de sonho" mas o que eu quero, para além de sonhar, é muito trabalho para tornar todos os sonhos realidades.

Tal como uma época não se faz só de discursos, também não se faz só de um bom treinador. O treinador comanda a orquestra. Para que possa fazer um bom trabalho, precisa em primeiro lugar de uma boa orquestra. Isto é o mesmo que dizer que precisa de uma boa equipa. Do que é feita uma boa equipa? Quais são as bases do sucesso de uma equipa? Estas são perguntas fundamentais e que podem ter várias respostas e respostas diferentes até porque não há uma fórmula para o sucesso em nenhum sector da vida. Para mim há três fundamentos basilares. Em primeiro lugar é importante que seja um núcleo forte e consistente. Ou seja, é necessário transformar as individualidades num bom colectivo. Nem sempre uma coisa implica a outra. Há equipas que funcionam como um todo em que os jogadores, por si só, não têm qualidades extraordinárias. Da mesma forma há equipas com jogadores com qualidades acima da média mas que simplesmente não funcionam em conjunto por vários motivos que não vale a pena discutir aqui. É necessário encontrar o equilíbrio. Em segundo lugar está a importância de ter referências nas posições essenciais. Passa, por exemplo, por manter o Miguel Silva na baliza do Vitória. O guarda-redes é um dos pilares fundamentais de qualquer equipa, acho que tal é inquestionável. O Miguel já demonstrou vontade de ficar e tenho a certeza de que, com toda a sua qualidade e trabalho vai ser fundamental na próxima época - como já o foi esta e a aposta nele foi, para mim, o melhor da passagem de Sérgio Conceição. O terceiro acho que é o mais consensual: trabalho, muito trabalho. Trabalho que passa por motivar os jogadores, fazê-los acreditar, fazê-los lutar, tirar o melhor de cada um, estudar os adversários, saber os pontos fracos e fortes dos adversários e os nossos também. Muito trabalho, muito treino e muita dedicação. Qualquer treinador ou jogador saberá isso muito melhor do que eu.

Ainda assim, estes três princípios não são tudo. É necessário um suporte, um apoio à orquestra e a quem a comanda. Esse suporte é, claro está, uma estrutura e um projecto bem organizados e condizentes com os objectivos a alcançar. Esses objectivos devem passar por ficar nos 4 primeiros lugares da tabela classificativa bem como por vencer as competições em que o clube se envolver, nomeadamente a Taça de Portugal. Para isto é necessário que sejam descartadas algumas políticas que vigoraram na época passada e que contribuíram para uma época negativa, tal como a política de emprestados numa quantidade exagerada e em que nada acrescentam à equipa e adoptar novas medidas que visem defender e honrar o clube.

Ao Vitória nunca pedi títulos nem vitórias como condição do meu amor. Como tal, não peço títulos nem vitórias a Pedro Martins, como não o faria se fosse qualquer outro treinador. Faço um pedido que me parece de maior importância. Peço apenas que enquanto usar a braçadeira de treinador no braço sinta o Vitória da mesma forma que todos os que, tal como eu, preenchem as bancadas do D. Afonso Henriques e de todos os outros estádios sentimos. Que tenha o mesmo carinho, estima, respeito, dedicação, amor e paixão pelo símbolo que nós temos. Se assim for os títulos e as vitórias tornam-se numa realidade porque, verdade seja dita, se os resultados fossem disputados nas bancadas os vitorianos goleavam em praticamente todos os jogos.

O nosso apoio está garantido independentemente dos resultados, mas somos também minuciosos com todos aqueles que representam o símbolo pela simples razão de que queremos que seja bem tratado. Posto isto e quase uma semana depois da confirmação: sê bem-vindo Pedro Martins. Bem-vindo ao clube mais único do mundo! Bem-vindo ao Vitória!

6 comentários :

  1. Notável texto Raquel. Subscrevo não só tudo que escreveu como, essencialmente a sua forma de ver e sentir o nosso clube. É com pessoas como você que o Vitória terá o futuro com que todos sonhamos. Parabéns

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    1. Palavras dessas têm um enorme significado quando vindas de alguém que tem uma ligação e acompanha o Vitória há tantos anos como o Luís, e que faz o máximo para engrandecer ainda mais o nosso símbolo. Muito obrigada!

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  2. O Pedro Martins é bom treinador. Acredito que ponha a tua equipa a jogar um bom futebol. Desde que perca os jogos contra o meu SCP estamos bem :P

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    1. Também acredito que sim... Vamos fazer coisas bonitas com o Pedro Martins, inclusive ganhar ao Sporting :P

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  3. Olá Raquel,
    Conforme já tínhamos falado anteriormente confirmou-se a vinda do Pedro Martins. Fiquei satisfeito, como penso que ficaram a maior parte dos Vitorianos, mas como dizes no teu texto (mais uma vez excelente) só isso não chega. Parece-me que esta época está a ser tratada da forma como devia, ou seja, atempadamente e com discursos coerentes e até ambiciosos. Espero que não sejam apenas palavras balofas. Já merecemos mais qualquer coisa do que aquilo a que temos assistido. Ao contrário de ti, mais uma vez, vi o Pedro Martins a jogar pelo nosso Vitória (até pareço um "velho" a falar mas desengana-te, tenho "apenas" 43 anos) e era daqueles jogadores "à Vitória", muito apreciado pelos adeptos e que fez uma excelente época dando então o salto para o Sporting juntamente com o Pedro Barbosa (que saudades de equipas assim).
    Resumindo, é um nome consensual e que espero venha a ter todas as condições para nos colocar novamente no sítio que merecemos. A ver vamos.

    Rui

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    1. Olá Rui,
      Foi uma boa notícia e uma decisão mais consensual para a grande maioria dos adeptos. Pelo menos é mais consensual do que as duas escolhas feitas na época passada. Quanto à preparação da época também já tinha comentado que me parece estar a ser mais bem preparada e espero que o resultado seja diferente. Já merecemos mais do que o que temos recebido!
      Não parece nada (nem é!) velho, admito que tenho uma certa inveja de não ter visto equipas como as que fala jogar, nem de ter estado presente e conhecer o Vitória nessa altura. Ouço falar muito bem de certos jogadores e sinto sempre que há cada vez menos como esses a quem os Vitorianos ainda hoje admiram e falam com muito carinho.
      Espero, e acredito, que seja também um treinador "à Vitória" com garra, ambição e muita vontade de vencer!

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