segunda-feira, 30 de maio de 2016

A importância do consentimento

Há tópicos importantes que ainda parecem interditos e tabu na sociedade apesar de serem, muitas vezes, as coisas mais naturais do mundo. Há uma disciplina/tema que eu, pessoalmente, gostava que fosse obrigatória no percurso escolar de cada aluno. Não para que se possa atribuir mais uma nota no final do ano mas para que possa formar cidadãos e cidadãs respeitantes do espaço, da vida e vontade do próximo. Nunca achei que a escola deva servir só para formar doutores e doutoras. Fazê-lo seria desperdiçar recursos e tempo. A escola deve formar também cidadãos e cidadãs preparados/as para a vida real.

É necessário falar-se de sexo nas escolas (e também em casa). Sempre que se aborda este assunto é sempre em tom ligeiro, principalmente em tom de brincadeira e sem qualquer intenção didáctica. Há até quem tenha vergonha de o fazer. Não que seja necessário falar do assunto com um tom demasiado sério e muito menos quero com isto dizer que as pessoas devem expor a sua vida sexual. Cada um sabe de si. O que pretendo dizer é que uma parte tão fundamental da vida de todos os seres vivos não pode ser abordado ou tratado com timidez, vergonha ou como se fosse um "pecado" (há quem queira fazer parecer que é... mas deixemos isso para outro dia). É natural e por isso deve ser falado com naturalidade até porque há diversos cuidados a ter. Felizmente o paradigma começa a mudar e as últimas gerações já começam a falar mais abertamente e de forma mais informada e interessante sobre o tema. Cada vez mais há conversas interessantes ao invés de piadas grosseiras. Nas escolas ainda continua a ser um tema pouco abordado. Eu compreendo que seja difícil expor um tema tão sensível a adolescentes complicados e difíceis, mas é uma parte essencial do crescimento destes e eventualmente eles vão entendê-lo. Eu gostava que o tivessem feito. Não me considero mal informada, mas em 12 anos (desde que entrei para a secundária, até ter saído do secundário) tive no máximo uma ou duas aulas sobre o tema e essas aulas foram sempre para ver filmes e não para falar ou debater o assunto.

Lembro-me de ver o Philadelphia com o Denzel Washington e Tom Hanks nos papeis principais. Um filme excelente de 1993 sobre um homem infectado com sida, vítima de preconceitos e a quem são colocados obstáculos que parecem intransponíveis e assustadoramente difíceis. Aborda a descriminação e toda a envolvente de uma forma que me parece muito realista. Infelizmente a descriminação ainda é uma realidade nos dias de hoje e se este filme tivesse sido lançado ontem seria tão actual como o foi há mais de dez anos atrás. As doenças sexualmente transmissíveis e a necessidade de usar métodos contraceptivos são naturalmente temas mais do que obrigatórios e fundamentais e acredito que sejam o tópico mais abordado nas escolas.

No entanto julgo que há pelo menos um tópico tão ou mais importante mas que passa despercebido. A minha opinião vale o que vale, obviamente, mas acredito que há um conceito que é a base de qualquer relação sexual: consentimento. É necessário ensinar todas as crianças desde cedo, para que fiquem com a ideia completamente enraizada, que o consentimento é fundamental e ninguém tem poderes sobre o corpo de ninguém a não ser do próprio. Não estou a dizer que se deve começar a falar de sexo com crianças de três anos (mas também acho que dizer que os bebés nascem das cegonhas não trás proveito nenhum à criança no futuro) mas há um sem número de formas de ensinar a uma criança o conceito de consentimento para que depois isso seja naturalmente integrado em tudo na sua vida enquanto adolescente e adulto - inclusive e fundamentalmente no sexo. Sem consentimento não pode haver nada, absolutamente nada. Não significa não, independentemente das circunstâncias.

Senti uma necessidade de escrever este post depois de ler um artigo que dava conta de que um dos 33 violadores (monstros?) da adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro disse que o que aconteceu foi consentido. Não estava lá mas não acredito nem por um segundo nestas declarações. Espero que os responsáveis que estão a cuidar do caso não acreditem também. Passo a explicar o porquê de não acreditar, se isso for necessário para alguém: há um vídeo que mostra a menina desmaiada e a sangrar, depois de tudo o que fizeram com ela. Isso não pode, em caso algum, ser consentido.

O consentimento acontece quando todas as pessoas envolvidas estão de acordo em relação ao que estão a fazer. É preciso esclarecer e educar as pessoas para que percebam isso, para que seja um princípio inquestionável partilhado por toda a gente. É fundamental que assim seja. Uma pessoa desmaiada ou alterada (seja através de que substância for, ingerida por livre e espontânea vontade ou, muito grave, colocadas na bebida por outras pessoas com más intenções) ao ponto de não conseguir tomar decisões conscientes não pode consentir. Logo, qualquer acto sexual com uma pessoa na condição que referi é violação e nada mais! Uma pessoa que inicie uma actividade sexual com outra pessoa ou pessoas tem o direito a dizer que não quer continuar. O que quer que aconteça depois desse momento, com a pessoa coagida ou obrigada a continuar e sem que a sua vontade seja respeitada, é violação e nada mais! Entender isto é fundamental. Afinal o corpo não pertence a mais ninguém a não ser a si próprio. Cada pessoa tem o direito de fazer do e com o seu corpo aquilo que quiser e tem o direito de parar aquilo que não quer. Não há nada como "sexo sem consentimento". O nome disso é violação.

Por ser um conceito tão fundamental e importante é necessário que seja abordado não só em casa pelos pais/educadores (e isso é primordial) mas também na escola pelos professores de forma natural mas com a importância e atenção necessária. Gostava muito de ver uma disciplina de Educação Sexual, ou equivalente, implementada nas escolas. Provavelmente não ia acabar com as violações ou com os violadores mas é uma boa forma de o tentar fazer e acredito que tinha efeitos muito positivos na vida particular de cada um e também na sociedade como um todo.

É através do sexo que se preserva as espécies, não só a nossa mas todas. É a necessidade mais básica do ser humano. É uma necessidade fisiológica e uma fonte de prazer. É a actividade mais natural de todas. Não se deve encarar o sexo de outra forma. É contraproducente - como disse, o sexo assegura a sobrevivência de todas as espécies. Se o transmitirmos como algo mau, um "pecado" ou coisa que o valha acabamos por estar a ir contra aquilo que nos "fez", digamos assim. É o princípio de tudo e é, portanto, fundamental educar as pessoas para tal de forma consciente e natural. Nada mais!

2 comentários :

  1. Muita gente não entende o conceito básico do consentimento. E há ainda mais. Alguém com menos de 18 anos não pode dar consentimento, pelo menos, não legalmente.

    Temos também o outro lado da moeda. O que acontece quando ela dá o consentimento e durante/depois do ato diz que não deu?

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    1. Infelizmente ainda há quem não o compreenda, mas é um conceito fundamental. Por isso a minha sugestão de o "leccionar" nas escolas. Sim, de facto legalmente alguém com menos de 18 anos não pode dar consentimento mas deduzo que a maioria dos jovens (e nisto posso estar errada) inicia a vida sexual antes dos 18 anos.
      Isso acontece infelizmente, por ambos os sexos. No caso que refiro no texto, e tendo em conta que a delegada já confirmou que houve de facto violação, não se passa isso. Acredito que seja uma minoria, mas quem o faz precisa também de ser condenado severamente!

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