sexta-feira, 27 de maio de 2016

30 contra 1. A sociedade contra todas.

No Brasil uma menina de dezasseis anos foi violada por trinta monstros. Na Gâmbia uma menina de cinco anos teve os genitais mutilados pela mesma faca que mutilou os e da mãe e da mãe e da mãe porque é tradição. No Irão, onde a palavra de uma mulher "vale metade da palavra de dois homens", uma mulher foi apedrejada até à morte porque foi violada e perante a lei foi considerada adultera. No Afeganistão uma mulher pode ser obrigada, por lei, a casar com um monstro que a violou. Na Índia uma menina de seis anos foi obrigada a casar com um homem de trinta e cinco. No Congo mais de mil mulheres são violadas por dia, os soldados dizem que "isso lhes dá força para combater o inimigo". Em Portugal várias mulheres são espancadas e/ou mortas pelos maridos todos os dias.

A luta começa ainda no útero. A vida das mulheres vale tão pouco em alguns países que as mães abortam na perspectiva de ter uma filha. Depois do nascimento a luta intensifica-se e nunca acaba. Dizem-nos para termos cuidado. "Não uses uma saia muito curta", dizem-nos antes de sairmos de casa. "Não aceites bebidas de estranhos", dizem quando saímos à noite. "Vê por onde andas, não vás por lugares isolados", uma recomendação de todos os dias. As nossas mães e os nossos pais dizem-nos o que vestir, o que fazer e por onde andar. Dizem-nos para nos manterem salvas, para não sermos violadas, para não nos fazerem mal.

Não seria mais eficaz tentar outra abordagem? Infelizmente as mulheres são violadas independentemente de todas as recomendações. Independentemente do que vestem, do que aceitam ou de onde andam. As mulheres que se cobrem da cabeça aos pés também são violadas, as mulheres que não aceitam bebidas de estranhos também são violadas, as mulheres que não andam por lugares isolados também são violadas. Porquê? Porque a culpa não é das mulheres que são violadas, é dos violadores. Se calhar era mais eficaz todos os pais e todas as mães ensinarem os filhos a não violar, a não ver as mulheres como objectos à sua disposição, a não avaliar uma mulher pelo tamanho da saia ou do decote que tem.

Motivou-me a escrever este texto a menina violada por mais de trinta homens no Brasil. Revoltou-me, enojou-me, fez-me descrer na humanidade, fez-me querer não viver num mundo tão sujo e desprezível. Mas a verdade é que há mulheres a sofrer só porque são mulheres todos os dias. Descrevo-o no primeiro parágrafo.

Aqui, neste país plantado à beira-mar, tudo nos pode parecer distante e longe. Virámos a cara e dizemos "mas isso não acontece aqui". Virámos a cara a todos os assuntos que são importantes, às causas importantes. Arrumámos para baixo do tapete o que nos incomoda, aquilo que nos deixa exaustos e aquilo que nos faz tremer de nojo, de medo e de horror.

Já não quero arrumar nada para baixo do tapete. Não quero mais estar calada e fingir que nada aconteceu e que tudo está bem. Num mundo tão pequeno como este nada é longe. Estamos perto uns dos outros, partilhamos apenas uma casa. Uma casa com tectos tão diferentes, mas no fim a mesma. Por isso quando trinta homens atacam uma mulher, ataca-nos a todas nós. Não são trinta contra uma, são trinta contra todas.

Não vou voltar a ficar calada numa sociedade que não valoriza as mulheres, que as vê como "menos que...", que humilha as mulheres, que justifica a violação pelas roupas quando a violação é injustificável, que afasta as mulheres dos seus direitos, que força a mulher ao casamento. Não vou ficar calada nunca mais. Sou mulher! Tenho orgulho em sê-lo e não admito a ninguém inferiorizar-me por isso. Nem admito que ninguém o faça a nenhuma mulher. Por isso recuso-me a aceitar e a resignar-me!

Como já disse neste blogue não exijo respeito por causa da tua mãe, irmã ou prima. Exijo respeito porque sou mulher, porque sou um ser humano. Não é uma noção complicada, pois não?

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