quarta-feira, 31 de agosto de 2016

1984

Foto: Vitória Sport Clube
Depois de uma vitória confortável e um bom espectáculo (o quanto soube bem festejar tantos golos no nosso castelo!) na passada sexta-feira e com um fim-de-semana de descanso pela frente para a equipa A (não esquecer que a equipa B defronta o Leixões em casa no Domingo, dia 4 de Setembro, pelas 17h00), a minha crónica de hoje resume-se a um tema que não diz respeito apenas ao Vitória. É um ciclo vicioso ao qual já estamos acostumados e que é fruto, em grande parte, de dois factores: a incompetência de quem devia ser profissional e a falta de cultura desportiva de muitos portugueses que se dizem apaixonados por futebol quando na verdade são adeptos de equipas que mal conhecem mas que ganham campeonatos (infelizmente ainda há quem escolha clubes por isso). É um tema complexo, pelo menos para mim. Fazer generalizações é sempre perigoso e demasiado redutor. Espero não cair nesse erro.

Não acho que jornalismo seja sinónimo de "terrorismo", bem pelo contrário. Eu vejo o jornalismo como uma poderosa ferramenta capaz de mudar a sociedade. O problema não é o jornalismo. O problema é a falta de seriedade, a procura desalmada de lucros, os amigos e os jogos de bastidores, o sensacionalismo, a imparcialidade e a falta de respeito. Isto não afecta só o sector desportivo, afinal há canais de televisão que não são desportivos e que filmam o funeral de uma criança com um drone. Mas isso são outros assuntos que hoje não interessam para nada! Foi através do jornalismo (de investigação) que o escândalo Watergate foi conhecido e que a equipa Spotlight, do The Boston Globe, denunciou uma rede de padres que abusavam de crianças. São apenas dois casos, de tantos, mas que merecem referência pela sua repercussão na sociedade. Foram um hino ao jornalismo. 

Os jornais desportivos nacionais portugueses, por sua vez, devem envergonhar qualquer jornalista sério. Como é óbvio eu não estou à espera do mesmo tipo de jornalismo, isso não faria qualquer sentido e era estúpido da minha parte. O que eu gostava era que partilhassem das mesmas referências éticas e dos mesmos valores. Não partilham! O cancro do futebol português vai muito para além do mau jornalismo e da pobre comunicação social portuguesa, no entanto estes têm a sua quota parte de culpa. Têm as mãos sujas sempre que dedicam 75% do espaço apenas a três clubes e os restantes 25% aos outros quinze. Têm as mãos sujas sempre que não fazem sequer uma pesquisa sobre aquilo em que estão a trabalhar. Têm as mãos sujas sempre que preferem fazer a capa com uma equipa que consideram "grande" quando perde o jogo ao invés de dar o mérito e o protagonismo à equipa que vêem como "pequena" que ganhou. Preferem fazer uma capa com rumores sobre uma possível transferência do que fazer a capa com uma notícia, na verdadeira acepção da palavra, que não seja dos três clubes do costume. 

Os jornais desportivos são da mesma igualha (será que o jornal que utilizou esta mesma palavra sobre o Vitória sabia do seu sentido depreciativo no dicionário? Bem, eu sei e faço questão de o referir!) e por isso mesmo deixei, há muito, de os comprar. No futebol português impera um clima semelhante ao da distopia 1984, escrita por Orwell e que é dos meus livros favoritos. Este livro introduz um conceito muito interessante: a novilíngua. Este idioma fictício é uma arma de controlo do governo tirano sobre a população para impedir que surjam ideias indesejáveis e que possam constituir uma ameaça ao bom funcionamento da sociedade. Ao contrário do que é habitual, não são acrescentadas palavras novas ao léxico. A evolução faz-se através da remoção das palavras. Um exemplo: a palavra mau deixa de existir. Se esta palavra deixa de existir, as pessoas não podem pensar (ou dizer) que o governo é mau. Ao invés disso, há a palavra imbom mas que não tem, de forma alguma, o mesmo significado da palavra mau. É claro que o futebol português não é tão extremo e 1984 é uma obra de ficção mas não consigo deixar de ver a ligação. Se derem todo o protagonismo a três clubes e dedicarem três linhas e meia aos restantes quinze então essa proporção vai acabar por se reflectir na população porque a comunicação social influencia, e muito, a sociedade. Não há democracia se um partido tiver mais tempo de antena do que outro porque isso não dá às pessoas a oportunidade de conhecer as ideias de outros partidos na totalidade. Portanto achar que há liberdade de escolha quando a maioria dos clubes são ignorados e tratados como inferiores é ser ingénuo, para não dizer outra coisa. Não digo que não há gente competente nas respectivas redacções, no entanto os princípios pelos que se regem estão ao contrário e às avessas. Para mim é sempre inaceitável.

Não é um problema que afecta só o Vitória, como já disse. No entanto interessa-me particularmente a forma como o Vitória é tratado, pelas razões mais do que óbvias. Entristece-me dizê-lo mas não há respeito pelo Vitória na comunicação social portuguesa, em geral. Não há respeito pelo Vitória quando dizem que temos pouquíssimas presenças na Liga Europa e todas elas sem grande destaque, nem há respeito quando os nossos resumos não passam nos telejornais quando passam resumos de jogos da liga do Butão, se for preciso. Depois tentam lavar as mãos com pedidos de desculpa facilmente evitáveis. É ridículo! Igualmente ridículo é a passividade dos representantes do Vitória, que têm uma postura que a mim me parece demasiado passiva. Há sempre um silêncio ensurdecedor sobre todas estas questões, quase como que a confirmar o que dizem, como que a confirmar que somos pequenos. Mas não somos e não há melhor representante do Vitória do que o seu 12º jogador, ou seja, nós! Podemos tomar uma posição segura e forte relativamente a esta situação. Eu não dou o meu dinheiro ou o meu tempo a quem não me respeita. Quem desrespeita o Vitória, desrespeita-me a mim.

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