terça-feira, 4 de outubro de 2016

Resiliência

Quisieron enterrarnos, pero se les olvido que somos semillas.
- Provérbio mexicano
Foto: @jdiogo10
No cinema todos os momentos épicos têm uma banda sonora igualmente épica. Há momentos que o merecem. Eu acho que tenho a minha para os 20 minutos finais do jogo disputado no último sábado. Não foi aleatoriamente escolhida. Ao intervalo a inconfundível voz de David Bowie encheu o estádio com Heroes. Não pude deixar de trautear uma música que sei de cor. Nem eu nem o senhor que se senta religiosamente na fila atrás da minha todos os jogos. Com o marcador a ser claro quanto à desvantagem dos nossos branquinhos, não sei se a trauteamos porque acreditávamos que podíamos ser "heróis" e mudar o rumo dos acontecimentos que, sejamos sinceros, não estavam nada a nosso favor. Em última instância, trauteamos a música porque gostamos os dois de Bowie. Mas isso é tema para outro dia e outro lugar.

A desvantagem, que já era desanimadora ao intervalo, aumentou para uns expressivos 0-3 quando restavam apenas 20 minutos para o apito final. Dar a volta ao resultado, ou pelo menos lutar por um ponto, já parecia tarefa para super-heróis. Apesar do Vitória ter entrado melhor que o adversário, o Sporting conseguiu impor-se e dominar o jogo até ao terceiro golo. Os 20 minutos finais foram, nas palavras de Pedro Martins, "à Vitória". Marega iniciou, da linha de grande penalidade, um final de jogo tão inesperado como incrível. Fez o bis no minuto seguinte e Soares encerrou o marcador ao minuto 89. Em termos de classificação foi um acrescento de apenas um ponto mas todos sabemos que foi muito mais do que isso. Mostrou-nos que a nossa equipa tem uma qualidade tremendamente importante: resiliência. É um elemento do nosso ADN e da nossa identidade, enquanto instituição, desde o primeiro dia e é imprescindível para termos sucesso. Na área da física, resiliência é a "propriedade de um corpo recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação". Num sentido figurado, resiliência é a qualidade de persistir, por mais difíceis que sejam as adversidades e os obstáculos. É a qualidade de tentar, mesmo quando nada parece estar em conformidade com a nossa vontade. Ninguém desistiu do jogo - nem dentro das quatro linhas nem na bancada. Ninguém se silenciou, ninguém acatou, ninguém aceitou. Consciente ou inconscientemente acreditamos em nós e acreditamos que podíamos fazer muito mais. Tínhamos essa obrigação. Não podíamos baixar os braços e deitar a toalha ao chão. Superamo-nos.

Não há nenhuma certeza sobre os primórdios do futebol ou sobre como começou. Há algumas teorias, mas não há certezas. Eu também não sei mas quero acreditar que o futebol nasceu para que possamos ter a oportunidade de viver momentos assim. A comunicação social não nos chama "grandes" nem nos dá esse tratamento e percebo cada vez melhor a razão. A palavra "grande" é demasiado banal para um clube como o Vitória. Quem esteve no estádio entende as minhas palavras. Nós não somos grandes, nós somos resilientes, somos incomparáveis. Somos um fenómeno inexplicável. Desconfio que não há, e talvez nunca haja, palavras que possam descrever com exactidão o turbilhão de emoções que toma conta de mim quando estou no estádio, com o símbolo do Rei bem junto ao meu coração e a entoar cânticos em uníssono com todas aquelas pessoas que partilham este amor tão grande comigo. O futebol nasceu por causa disto. Talvez para que, um dia, pudesse haver um elemento tão unificador como este. O Vitória é inexplicável e, portanto, é incompreensível para quem não sente.

Talvez a banda sonora deste jogo não seja nenhuma música do David Bowie. A banda sonora deste jogo, e de todos os outros, somos nós. Somos nós, os que não se escondem e o que estão sempre presentes e que cantam até que a garganta doa. Nós que, com as nossas vozes, calamos jornalistas e adversários. Nós, os que nunca se calam. São as nossas vozes, unidas, que personificam o Vitória. Enquanto não desistirmos, ninguém vai desistir dentro do campo. Somos o Vitória!

Um dos momentos mais bonitos do dia foi quando o nosso campeão Manuel Mendes subiu ao relvado. O estádio juntou-se numa ovação de agradecimento (vitorianos e sportinguistas) enquanto o nosso conquistador, orgulhosamente de Rei ao peito e com a medalha de bronze na mão, percorria o estádio. O nosso herói da vida real!

O provérbio mexicano com que dou início à minha crónica enquadra-se perfeitamente na nossa história. Quiseram enterrar-nos, mas não sabiam que somos sementes. Perdi a conta ao número de vezes que já anunciaram o nosso fim, a morte de um lendário. Fizeram-no vezes sem conta. De todas essas vezes mostramos que somos sempre maiores e mais fortes. Mostramos sempre que estão errados. Acredito que o Sporting, desde os jogadores aos sportinguistas em geral, já nos tinham "enterrado". Uns antes do jogo, outros durante. Esqueceram-se que não somos comuns. Somos o Vitória e, por cada passo atrás, somos motivados a dar mais passos em frente. De cada vez que nos deram como acabados, ficamos mais fortes. Talvez sejamos indestrutíveis, não sei. Mas sei que somos sementes e de cada vez que vamos ao chão levantamo-nos ainda maiores. 

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