quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Taça dos sonhos

Foto: Grupo Santiago
A Taça de Portugal é uma competição especial. É, efectivamente, a Taça dos Sonhos. É a competição que proporciona oportunidades únicas e jogos ímpares. O jogo que o Vitória disputou no último Domingo, frente ao Santa Iria que compete nas Distritais de Lisboa, foi um exemplo disso mesmo. De um lado estavam jogadores profissionais que envergam um dos símbolos mais importantes e míticos do futebol português e do outro lado estava uma equipa amadora, composta por uma miríade de profissionais de outras áreas (o golo do Santa Iria foi apontado por Flecha, um maquinista) que decidem utilizar o seu tempo livre para jogar futebol. São realidades completamente distintas aos mais diversos níveis e não tenho dúvidas de que só o facto de disputar um jogo com o Vitória e com os jogadores que vêem jogar ao mais alto nível já foi, de certa forma, uma vitória para estes jogadores. Apesar de serem realidades distintas, a verdade é que estes jogos não são fáceis. Principalmente por duas razões: as equipas teoricamente superiores facilmente caem no erro de ser condescendentes e, consciente ou inconscientemente, diminuem o adversário e as equipas que são de escalões mais baixos estão sempre tremendamente motivadas, os jogadores querem mostrar serviço e sabem que jogar contra um clube da primeira divisão, principalmente clubes com mais prestígio, é um óptimo palco e pode traduzir-se numa oportunidade de dar um passo importante na carreira. Por isso é que eu não acredito em sorteios fáceis e muito menos acredito em jogos fáceis. A Taça de Portugal é fértil em mostrar-nos isso e há quase sempre surpresas, umas mais esperadas do que outras. Apesar de essas surpresas já me terem deixado triste, por exemplo na época passada em que o Vitória foi eliminados pelo Penafiel da II Divisão, acho que são estas surpresas que dão um encanto sem igual a esta competição.

O Vitória tem uma história bonita na Taça de Portugal e é uma competição, tal como todas as competições em que o Vitória se envolve, em que a ambição não deve ter limites. Se participamos então tem de ser para ganhar. Menos do que isso não pode, nem deve, satisfazer-nos. O discurso do presidente Júlio Mendes, que me parece estar em harmonia com o discurso de Pedro Martins, revela essa ambição: não só a ambição de chegar à final mas também a ambição de vencer. É essa ambição que, enquadrada num plano de acção condizente, deve vigorar no Vitória - não só para a Taça de Portugal, mas sim para todas as competições incluindo o campeonato. Não me canso de dizer que o lugar do Vitória é no cume do futebol português. A nossa ambição tem de se ajustar à nossa história, dimensão, paixão e amor.

Infelizmente não tive possibilidade de assistir ao último jogo, frente ao Santa Iria, portanto vou abster-me de comentários sobre o mesmo. No entanto, e pelo que li e vi posteriormente, acho que este jogo foi essencialmente uma aprendizagem. O melhor foi, obviamente, garantir a passagem à 4ª eliminatória da competição e saber que os nossos objectivos ainda estão ao nosso alcance. Não foi uma vitória fácil. Foi uma vitória sofrida e um jogo disputado até ao final. As mudanças, relativamente à equipa do épico jogo frente ao Sporting foram muitas: Pedro Martins decidiu manter apenas dois jogadores e no total foram seis jogadores que se estrearam de Rei ao Peito em jogos oficiais. Para além destas mudanças o relvado sintético do Sacavenense com diferentes dimensões das habituais dificultaram a tarefa. Se é uma prestação, ou melhor, resultado que me agrade? Não, de facto não é um resultado seguro frente a uma equipa que joga nas Distritais mas há alguns pontos positivos para além da vitória. Este jogo provavelmente serviu para Pedro Martins perceber quais jogadores precisam de limar algumas arestas, quais estão prontos para entrar em campo, serviu para dar ritmo competitivo e oportunidades àqueles que ainda não o têm e foi a oportunidade de ver Alex regressar aos relvados depois de uma paragem ingrata e prolongada. Foi uma experiência que podia ter acabado muito, muito mal - não se podia admitir perder já - mas que acabou por ter um resultado positivo. Foi uma experiência que nos mostrou que não pode haver facilitismos, que já ninguém quer ser o bombo da festa e que, cada vez mais, os clubes são competitivos e não querem saber do statuos quo para nada dentro de campo. Isso é bom mas torna o futebol mais competitivo e mais exigente e não nos podemos esquecer disso nem por um segundo.

O mais importante é que cabe-nos desenhar o nosso futuro, a nossa jornada, o nosso processo. O tenista indiano Leander Paes em tempos disse que, para ele, a jornada é muito mais importante do que o destino porque a euforia de chegar ao destino não dura muito, complementou dizendo que a euforia de ganhar o seu primeiro Grand Slam durou doze horas e não podia comparar essas doze horas com os vinte anos de trabalho que o levaram àquele momento. Há uma verdade intrínseca nestas declarações. Realizar um objectivo é, sem dúvida nenhuma, uma sensação quase transcendente e incrivelmente boa. No entanto não dura sempre, essa sensação eventualmente desvanece-se e não há como o inverter ou impedir. Depois ficam as memórias desse momento que guardamos para sempre com muito carinho. Mas o que nos transforma, nos muda, nos faz melhores no que quer que seja e que nos torna naquilo que somos não é aquele momento isolado da vitória, da realização. É o caminho que nos conduz até esse momento. Um caminho que pode ser tortuoso, do qual nos podemos desviar por momentos, um caminho que nos leva a desafios e obstáculos e durante o qual podemos cair mais vezes do que nos parece possível mas um caminho em que nos levantamos de cada vez que nos caímos. É como na vida, se pensarem bem no assunto. Nenhum homem é recordado pela forma como morre mas pode ser recordado pela sua vida. É o processo que valoriza o destino e não o contrário. Portanto estas dificuldades são o que vamos recordar mais quando pisarmos o relvado do Jamor, quando virmos o nosso capitão e a nossa equipa subir à tribuna e levantar aquela taça tão bonita. Estive duas vezes no Jamor, em 2011 e 2013. Conheço muito bem a derrota e a vitória naquele mesmo estádio, naquela mesma competição. A derrota pesada de 2011 foi parte do processo que nos levou à vitória dois anos depois. Caímos mas soubemos levantar-nos magistralmente. E nunca o Jamor foi tão bonito como quando nos viu dar vida àquele estádio!

P.S.: Os meus parabéns à administração do Vitória pela iniciativa de abdicar da parte da receita em favor do Santa Iria. É um gesto bonito mas acima de tudo estou certa de que é um gesto com significado e importância para este clube e para os seus jogadores e, em última instância, para o futebol em Portugal. No entanto não posso deixar de sancionar os adeptos do clube de Lisboa que, apesar de comparecerem em grande número (e isso é admirável) também vão causar algumas perdas financeiras ao clube que apoiam e que certamente não tem condições para as suportar. Os adeptos devem estar presentes para suportar e elevar o clube, nunca para o prejudicar! Pelas imagens que pude ver viveu-se um ambiente extraordinário e de festa naquele estádio, com adeptos de ambos os lados a dar o exemplo do que deve ser o futebol!

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