O percurso de Portugal no Europeu está a tomar contornos peculiares. Estamos a poucas horas de defrontar o País de Gales nas meias-finais sem ganhar nenhum jogo no tempo regulamentar. Fase de grupos: três empates. No final do primeiro jogo, frente à supostamente fraca Islândia (que de fraca não teve nada), as críticas já davam o ar de sua graça, sempre pertinentes: "se não ganhamos o próximo jogo podemos fazer as malas e apanhar o avião". Não ganhamos e somámos apenas mais um ponto frente à Áustria: "se não ganhamos a estes dois nem vale a pena passar a fase de grupos para não sermos humilhados". Voltamos a empatar no terceiro jogo frente à Hungria, passámos a fase de grupos em terceiro lugar com três pontos: "agora é que eles vão ver o que é bom para a tosse".
Aterramos nos oitavos. Pela frente tínhamos a Croácia. Era agora que íamos ver o que é bom para a tosse, no que resulta só ter jogadores peneirentos e com a mania, que aquecem de brinco e que postam selfies nas redes sociais. Era a Croácia que nos ia mandar à vidinha que já se fazia tarde. Só que não foi. Juntamos mais um empate à colecção e seguimos para o prolongamento depois de um jogo quase sempre adormecido e marcado pelo rigor táctico. O prolongamento quase anunciava o mesmo desfecho e já estávamos todos com a cabeça (e o coração, principalmente o coração) nos penaltis até que aparece Quaresma em todo o seu esplendor. Cento e dezassete minutos de jogo e a bola estava dentro da baliza, com mestria. Finalmente! Fim do prolongamento: 1-0, para nós. Mais uma etapa superada.
Chegamos aos quartos com a menos assustadora Polónia pela frente. Menos assustadora não significa mais fácil, principalmente numa altura em que cada minuto conta e não há equipas fracas. Começa o jogo e em dois minutos, sem nos deixar sequer acomodar como deve de ser no sofá, Lewandovski decidiu fazer o gosto ao pé. 1-0, para eles. "Pronto, já fomos. Eu não disse? A sorte não dura para sempre." diziam os que só vêm o copo meio vazio. O cenário não era favorável, de forma nenhuma. Estávamos a perder, os polacos a correr mais e com mais energia e os heróis do mar estavam apáticos, muitos já não pareciam acreditar (e será que é justo exigir-lhes que acreditem quando meia nação não o faz?). Eis que, pouco depois da meia hora de jogo, a maré muda. O miúdo Renato mostrou que sabe ser um crescido com a bola nos pés e com muita qualidade mandou a bola para o fundo das redes. Depois foi só mostrar aos polacos quem eram os especialistas em empates. 1-1, fim do jogo. Outra vez no prolongamento. Duas equipas com medo de sofrer resultou em duas equipas sem marcar. Assim foi. 1-1, fim do prolongamento que se é para empatar, é para empatar a sério. Seguiam-se os penaltis e desta não tínhamos o Ricardo para tirar as luvas e mandá-la para o fundo da baliza. Começou! Cristiano Ronaldo beija a bola e coloca-a na marca das grandes penalidades. É contigo, capitão! Sem hesitar marcou o primeiro. 1-0, comanda o melhor do mundo. Lewandovski empata. 1-1. Era a vez do miúdo Renato brilhar outra vez. 2-1. Milik a não desperdiçar coloca o resultado de novo empatado. 2-2. Sofre coração português, sofre. Era a vez de Moutinho. 3-2. Glik volta a deixar tudo igual. 3-3. Nani põe Portugal em vantagem. 4-3. Blaszczykowski posiciona-se na marca de grandes penalidades e coloca a bola numa trajectória certeira não estivessem lá as mãos de Patrício. Não passou! 4-3. Estava tudo nas nossas mãos, que é como quem diz que estava tudo nos pés de Quaresma. Era só mais um bocado de magia daqueles pés e estávamos nas meias. Tudo ou nada e tinha de ser tudo, que precisamos do coração para o resto dos jogos. Sem medos. Estava lá dentro. 5-3!! Estávamos nas meias, estávamos mais perto de Paris.
Do percurso de Portugal já muitos falavam praticamente desde o início, nas redes sociais e não só. Chamavam-nos Luckgal porque só podia ter sido a sorte a conduzir-nos até às meias-finais. A imprensa francesa mostrou desde o início muito interesse na equipa das quinas. Alguns jornaleiros (o problema de uma imprensa fraquinha não afecta só Portugal) franceses decidiram levar este discurso ao extremo. Diziam eles que o nosso futebol é "nojento" e mais tarde chegaram a afirmar que "não merecem estar nas meias-finais". Acho piada e tenho pena, principalmente por serem os franceses a dizê-lo. A história já lhes devia ter ensinado que não se atiram pedras quando se tem telhados de vidro. O telhado de vidro deles, e espero que não se tenham esquecido porque é realmente muito frágil, é um golo que lhes concedeu o apuramento para o Mundial de 2010. A escandalosa bola na mão de Thierry Henry que resulta em golo frente à República da Irlanda. Queridos jornaleiros franceses, tenho só uma pergunta para vocês, se me estão a ler: será que é mais nojento passar com a) um golo irregular ou com b) a decisão a ser tomada no prolongamento ou penaltis? Acho que a resposta é unânime, é claramente nojento passar com um lance irregular e não é nada nojento passar com mérito, como é o nosso caso.
Portugal ainda não esteve no seu melhor, não foi superior à maioria das equipas que defrontou nem mostrou um futebol de elevado nível mas Portugal merece respeito. Merece respeito porque chegou às meias finais por mérito próprio e não devido a irregularidades ou jogos de bastidores. Merece respeito porque os nossos jogadores já têm mais minutos nas pernas do que os outros todos. Merece respeito porque protagonizou um dos jogos mais emocionantes e vivos do Europeu, frente à Hungria. Merece respeito porque, apesar de tudo, têm um percurso com percalços mas conquistado, etapa a etapa, com muito coração e muita entrega. Há muita margem de manobra para melhorar e temos tudo para melhorar já contra o País de Gales.
No final do dia é tudo uma questão de perspectiva, se pensarem bem no assunto. Uns preferem ver o copo meio vazio e dizer que "Portugal está nas meias-finais sem ganhar nenhum jogo". Afirmam que só pode ser sorte, a qualquer momento estamos de malas feitas e prontos a voltar para Portugal. Outros, como eu, preferem ver o copo meio cheio e dizer que "Portugal está nas meias-finais sem perder nenhum jogo". Digo com certeza que só pode ser mérito e que este pode ser finalmente o ano e o momento de Portugal fazer história. Estamos todos certos. Portugal ainda não ganhou nenhum jogo mas a verdade é que também não perdeu nenhum. Há duas perspectivas pelas quais podemos olhar para o nosso percurso e eu escolho a segunda porque acredito, acredito sempre. Pode ser uma escolha ingénua de quem acredita que tudo é possível até ao último instante mas sei que podemos fazer mais e chegar mais longe. Há muitos aspectos a melhorar e o futebol praticado podia ser muito mais espectacular e cativante mas estou plenamente convicta de que se estamos onde estamos o mérito é nosso e nada há de nojento nisso. Há mérito e luta, somente! Tenho orgulho do nosso percurso, da nossa selecção e do nosso país. Acredito e reitero que vou acreditar até ao fim! Juntos podemos fazer história. Onze milhões, unidos. Por Portugal!
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