quarta-feira, 24 de junho de 2015

Oslo - fuck them all and everything will be wonderful

Nunca tinha ido ao teatro a sério. Já tinha visto algumas peças de teatro mas todas inseridas no âmbito escolar - a última foi "O Império" no Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim. À primeira vista a temática pode parecer desinteressante para uma data de miúdos desinteressados - era uma espécie de comparação/confronto entre a "Mensagem" de Fernando Pessoa e "Os Lusíadas" de Luís de Camões. Apesar de à primeira vista a maioria das pessoas antever uma seca, acredito que a peça tenha captado a atenção de 90% da plateia (e os outros 10% não dão atenção a nada desta vida). E acredito que tenha captado a atenção de tanta gente porque foi uma peça muito inteligente, muito actual, com bons actores e que tinha muita comédia à mistura.
Já à muito tempo que queria ir ao teatro, mas ainda não tinha visto nada capaz de me cativar o suficiente. Recentemente uma peça de teatro captou toda a minha atenção com um título pouco comum. Estava inserida na programação do Festival Gil Vicente que, para quem não sabe, é um festival vimaranense que se realiza sem interrupções desde 1987 e tem como propósito levar ao palco peças de teatro contemporâneo português, bem como promover a experiência, a discussão e o pensamento. Este ano realizou-se entre 4 e 13 de Junho. A programação contou com seis diferentes espectáculos, que se dividiram entre o pequeno e o grande auditório do CCVF e a Black Box da PAC: I don't belong here, Orlando, Círculo de Transformação em Espelho, Fausta, Oslo - fuck them all and everything will be wonderful António e Cleópatra. A par dos espectáculos, ainda houve algumas actividades paralelas como uma Masterclass com Mickäel de Oliveira ou momentos de conversa com os autores das peças. Para aceder a todos estes espectáculos e actividades, bastava fazer a assinatura do festival pelo preço de 25€, o que me parece um preço muito acessível pois a assinatura ainda dava direito a estacionamento gratuito em dias de espectáculo e direito a uma visita às exposições patentes no Centro Internacional das Artes José de Guimarães. Numa altura em que tudo tende a ficar cada vez mais caro e a cultura cada vez mais inacessível, o Festival Gil Vicente revela-se uma óptima iniciativa que mostra que a cultura está de perfeita saúde e o teatro tem imenso ainda para nos oferecer. Os espectáculos, individualmente, tinham o custo de 7,5€ (eu paguei 5€ porque tive desconto com o cartão jovem, mas o cartão quadrilátero cultural dá um desconto de 50%).

Depois de tanto suspense, vou dizer-vos qual foi o espectáculo eleito. Decidi ver Oslo - fuck them all and everything will be wonderful. Como eu disse, o título não é nada comum. E eu gostava muito, muitíssimo fazer uma crítica minuciosa da peça que fui ver, mas na verdade eu não o sei fazer porque de teatro percebo muito pouco. Contudo sei dizer se gostei ou não. É exactamente isso que vou fazer porque pouco mais consigo.
Em equipa que ganha não se mexe e a equipa formada pelo encenador Nuno M Cardoso e o dramaturgo Mickäel de Oliveira deve ter ganho com Boris Yeltsin, o seu primeiro projecto conjunto, para apostar em Oslo. De facto, este Oslo é uma reescrita de O Que é Teu Entregou aos Mortais, texto com que Mickäel venceu o prémio Nova Dramaturgia Maria Matos 2006. Mais uma vez, em equipa que ganha não se mexe. A interpretação fica a cargo de 3 actores: Albano Jerónimo, Mónica Calle e Raquel Castro, que afinal são 6 personagens. Mónica Calle é a mãe, Raquel Castro é uma amiga da família que tem uma relação um quanto conturbada e enigmática com a mãe, Albano Jerónimo desdobra-se em quatro homens diferentes que visitam a casa da mãe: é um médico, depois já é um ex-namorado da filha e um "profissional", ambos contratados para satisfazer as necessidades sexuais da filha, e sem esquecer que ainda é um padre. Mas eu disse que são seis personagens. Na verdade nunca vemos a sexta personagem, no entanto esta não fica esquecida ou ignorada e trespassa todo o espectáculo - a filha doente, da qual não conhecemos bem o quadro clínico mas que supomos estar muito doente e acamada. É uma peça sobre a relação entre a mãe e a filha, que vivem numa casa visitada por todas as outras personagens que têm como objectivo satisfazer as vontades daqueles que a habitam.
O tom é estabelecido desde o início quando a mãe declara que "O mundo é uma merda e ninguém quer saber do teu bem estar". Nas palavras do próprio Mickäel, "o espectáculo na verdade é sobre ausência, sobre perda, e usa muito a palavra cinismo". Confirmo. Confirmo mais das declarações de Mickäel: "deixou de ter um pathos trágico e passou para um pathos cómico e grotesco". Apesar do ambiente denso e pesado da peça, sem dúvida que pelo meio há espaço para umas boas gargalhadas.
O texto é exímio e inteligente e apetece guardar tudo o que é dito porque é também bonito. E porquê Oslo? Foi lá que Mickäel e Nuno estavam quando decidiram o que iam fazer ao texto, mas não só. Oslo é a representação do paraíso, para onde a mãe quer ir e levar a filha.

Oslo fez-me querer voltar a ir ao teatro, e fez com que me arrependesse de não ir ao teatro mais vezes. Acho que é uma forma de arte tão pura e tão crua como são poucas - ou nenhuma. Uma peça de teatro nunca é igual - por mais que os actores, o cenário, as luzes e a música sejam inalterados. Nunca é igual. Amanhã não vai ser igual a hoje. Acho que talvez seja isso que mais me fascina. Cada espectáculo de teatro é único - é assim mesmo, como está diante dos nossos olhos, sem qualquer tipo de filtros ou edição.

E é só isto?
É
Fuck them all

Foto: www.porto24.pt
Foto: Almanaque
www.sol.pt
Foto: Almanaque

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