quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O futebol


Há pouco a acrescentar ao que já foi dito sobre o último jogo do Vitória, no Estádio João Cardoso em Tondela. Foi um jogo muito mal conseguido. Desperdiçamos uma extraordinária oportunidade de ir para 3º lugar e continuar a lutar pelo topo da tabela. Uma derrota que não é preocupante se se souber tirar as devidas ilações. Parece-me mais pertinente reproduzir as palavras que escrevi no passado Domingo, depois de terminado o jogo e depois de fazer a viagem de regresso a Guimarães, ao invés de acrescentar qualquer outra coisa, porque hoje as palavras ainda me faltam.

Há uma semana, por volta desta hora, estávamos a chegar a Guimarães depois de uma vitória saborosa arrancada à última hora no Estádio do Bessa. Chegamos cansados mas com sorrisos estampados no rosto e fizemos questão de avisar que tínhamos chegado a casa assim que o primeiro vitoriano pôs os pés fora do comboio. Os cânticos de apoio rapidamente encheram toda a estação. O cansaço era grande, mas o orgulho era muito maior. O resultado foi fundamental mas não foi o único factor a contribuir para a nossa felicidade extrema: a viagem, o ambiente que criamos e a forma como empurramos a equipa para a vitória - já disse que não tenho duvidas que o fizemos - foi determinante para chegar a casa com um sorriso meio parvo, de quem se apaixonou (outra vez), que teimava em não sair do rosto. Estávamos contentes, e gostávamos que fosse sempre assim. Infelizmente não é. O sentimento com que fizemos a viagem de regresso, de Tondela para Guimarães, é contrastante com o(s) sentimento(s) de há uma semana. As conversas entusiasmantes de há uma semana deram lugar ao silêncio de hoje - o amor não é uma variável dependente do resultado mas gostámos de ver os nossos a fazer bem. "A que horas é o jogo para a semana?", perguntou um senhor ainda antes de deixarmos o Bessa. Rapidamente obteve uma resposta. "É às 20h15 no Domingo, mas se calhar não vai muita gente que o pessoal trabalha na Segunda". Imediatamente o senhor respondeu aquilo que também eu podia responder: "nós não somos desses". Não somos e, por isso mesmo, hoje estávamos presentes mais uma vez. Voltamos a fazer quase quatrocentos quilómetros, de tantos que já fizemos e que guardam tantas histórias, por amor. De cachecol no ar e peito feito entoávamos os cânticos de sempre, que nos acompanharam toda a vida. Fizemos a nossa equipa jogar em casa tão longe dela. Está a tornar-se um hábito. Mas hoje as coisas não correram bem, hoje deixamos o estádio tristes. Não ficamos tristes só com o mau resultado mas também com uma exibição apática que deixou muito a desejar. E, se há coisa que os vitorianos gostam para além do nosso lindo símbolo, é bom futebol. Hoje não houve disso, hoje perdemos porque merecemos perder. O que não podemos esquecer, sob pena de sermos ingratos e nos tornarmos comuns, é que a equipa que nos deixou tristes hoje foi a mesma equipa que nos deixou eufóricos há uma semana, e nas semanas anteriores - vínhamos de uma excelente série de bons resultados. Há alterações na equipa, mas é, essencialmente, a mesma equipa. Há erros a apontar, sem dúvida! E não são irrisórios. Nós, enquanto adeptos, devemos e temos de o fazer porque só depois de os identificar, analisar e corrigir podemos crescer. No entanto o que realmente importa agora é ser resilientes. O que importa agora é voltar ao estádio com o orgulho de sempre, com a unicidade de sempre e sermos o que sempre somos: o décimo segundo jogador, o único que é insubstituível. Podemos ficar em casa, no ambiente quente e confortável do sofá. Afinal é isso que faz a maioria das pessoas em Portugal. Mas não ficamos, nunca! Não somos desses.

O futebol nunca é só futebol e, por isso mesmo, permitam-me desviar do último jogo do nosso amado Vitória. O futebol é, como li ontem, uma metáfora para a vida. Ultrapassa os noventa minutos, trespassa as quatro linhas do tapete verde, vai para além das decisões dos árbitros e das decisões tomadas em gabinetes por quem manda e pode. Consegue encher-nos o coração de alegria com a mesma intensidade com que o despedaça. Todos gostamos de ver a nossa equipa marcar golos, somar pontos e subir na tabela, mas acredito que todos percebemos que o futebol não é só isso. Talvez nos apercebamos melhor disso quando nos deparamos com uma tragédia. Ontem foi um dia sombrio e triste para o futebol e nenhum resultado positivo, nenhuma goleada, nenhuma taça seria capaz de desapertar o nó que apertava com força o nosso coração. Recebemos, ao início do dia de ontem, a notícia de que um avião que transportava jogadores, equipa técnica e administração do Chapecoense, bem como vários jornalistas e a tripulação se tinha despenhado e rapidamente se percebeu que eram poucos os sobreviventes. De uma equipa de vinte e dois jogadores sobreviveram três. Entre os que não resistiram ao acidente estava Caio Júnior, antigo jogador do Vitória e actual treinador do Chapecoense, que muitos adeptos ainda recordam com carinho. "O Caio Júnior? Lembro-me, lembro-me. Era muito bom jogador", disse-me o meu tio assim que eu lhe perguntei se se lembrava de o ver jogar. Umas horas depois chegou outra má notícia: Nuno Greno, da equipa técnica do nosso Vitória B tinha sucumbido ao cancro aos 23 anos. O futebol está de luto. 

Em tempos difíceis as cores não interessam, as fronteiras não existem e somos todos iguais no sofrimento. Conseguimos ser mais humanos, parece-me. Que estas tragédias e estas perdas não sejam em vão e nos ensinem a ser mais humanos em todos os aspectos das nossas vidas e também no futebol - para além das rivalidades e das diferenças. O futebol tem um poder único de nos unir num amor comum. Para nós é o Vitória, para outros o nome será diferente. Mas em essência, e para aqueles que realmente são apaixonados por um símbolo, somos todos unidos pelo futebol e pelo desporto em geral. Que possamos aprender a encher as bancadas dos estádios com os nossos cânticos e o nosso amor. Que o façamos, sempre que conseguirmos. Hoje as bancadas estão em silêncio, a dor é diferente de qualquer outra. O que torna então o futebol, que parece tão insignificante depois de uma tragédia destas dimensões, tão especial? A solidariedade, o humanismo, a compaixão, a empatia. Hoje somos todos Champecoense, hoje ainda queremos confortar aqueles que longe sofrem porque perderam os ídolos, os amigos, os colegas, a família. Não os conhecemos, mas queremos confortá-los. Por causa do futebol. E é isto que, mais do que outra coisa, faz o futebol ser tão apaixonante. Todos, sem excepção, serão para sempre lembrados.

Por fim, e apesar de saber que as minhas palavras não são nada, as minhas sinceras condolências às famílias e amigos de Nuno Greno e de todos os que iam naquele avião. 



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