quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A camisola

Foto: Vitória SC
O jogador perfeito é uma utopia. Por ser humano, e não uma máquina, é falível. Todos os jogadores erram, eventualmente. Há erros que são aceitáveis e desculpáveis, outros nem tanto. É uma linha ténue e é sempre subjectivo. O Marega chegou ao Vitória no início da época, na condição de emprestado, e se não era uma aposta dos vitorianos em particular e era ridicularizado nas redes sociais, rapidamente se apressou a mostrar serviço. Hoje lidera isolado e confortavelmente a lista de melhores marcadores do campeonato português, com dez golos em nove jogos. São números impressionantes e que, de facto, foram de extrema importância para a caminhada do Vitória até ao momento. O Marega não é um miúdo que se está a estrear na primeira liga. É um homem de vinte e cinco anos que já tem experiência na primeira liga portuguesa e, se é verdade que - acredito eu - nunca se deparou com adeptos tão apaixonados e exigentes como nós, vitorianos, não é menos verdade que provavelmente nunca foi tão acarinhado como estava a ser em Guimarães. Sejamos coerentes: Marega conquistou a difícil massa associativa vitoriana com o seu trabalho e qualidade e, pelo que fez até hoje dentro das quatro linhas temos de lhe estar agradecidos. No entanto Marega revelou-se um jogador problemático nos últimos jogos.

O maior objectivo de qualquer jogador, seja ele quem for, que integre qualquer equipa vitoriana - seja futebol, basquetebol ou pólo aquático - tem de impactar o mais positivamente possível a equipa. Isso significa contribuir em campo mas significa muito mais do que isso porque um jogador não pode resumir-se só a um indivíduo que até sabe dar uns bons toques na bola. Um jogador, principalmente do Vitória, tem de ser muito mais do que isso. Para além das qualidades óbvias que são indispensáveis, tem de ser um jogador de equipa e que pense no jogo em função da equipa, deve ser um jogador minimamente inteligente e que não contribua, de forma nenhuma, para a desestabilização do plantel (para isso já há quem esteja sempre disponível). Isto não é um jogador perfeito. Já tivemos excelentes jogadores que erraram, temos jogadores que erram e vamos certamente ter jogadores que vão errar. Faz parte do processo de crescimento. Só que esses erros não podem ser consistentes nem podem ameaçar o balneário ou o desempenho da equipa e, quando se comete um erro, deve assumir-se, tomar responsabilidade, estar preparado para acatar toda e qualquer consequência e imediatamente pedir desculpas, se estas forem sinceras.

O primeiro embate, digamos assim, de Marega com os vitorianos deu-se no Estoril. A reacção que teve, aquando da sua substituição, foi exagerada, infantil e demonstrou falta de disciplina. Pode ver-se a sua atitude por duas perspectivas: o maliano não aceitou a substituição ou, como vi nas redes sociais, ficou chateado consigo próprio por não ter o desempenho que queria. Pessoalmente, e é só a minha opinião, inclino-me mais para a primeira opção. Se foi esse o caso, em dois minutos desrespeitou o treinador, seu superior, o colega que o ia substituir em campo e por extensão toda a equipa. Foi uma atitude que me pareceu grave mas em que não vi necessidade de amplificar e por isso mantive-me quase isenta de expressar a minha opinião, embora a tivesse naturalmente. Pareceu-me uma situação que devia ser resolvida internamente e confio na capacidade de Pedro Martins em gerir o balneário e todas as situações mais complicadas que possam surgir. Marega foi titular em Vila do Conde e redimiu-se com um hat-trick. Os milhares de vitorianos na bancada nascente perdoaram e o jogador até teve direito a cânticos ensurdecedores. Os desentendimentos estavam no passado e Marega no presente, a ajudar a equipa. Como devia ser. Menos de uma semana depois o Vitória recebeu o Nacional e Marega voltou a ser a figura do jogo, infelizmente pelos piores motivos. Não demorou trinta minutos até lhe ser exibido um justo e inquestionável cartão vermelho. A culpa, essa, é de Marega. Viu o vermelho directo por falta de inteligência. A agressão surge de forma inesperada num jogo que começou muito mais calmo do que o jogo anterior, nos Arcos. O grande problema, e isto não diminuí a gravidade da agressão física repentina a um jogador adversário, é que a agressão foi o início de um emaranhado de situações caricatas e profundamente desnecessárias e tristes que se seguiram e que ainda, admito, me parecem confusas. O que eu vi, primeiramente no estádio e depois através das imagens televisivas, foi Marega a agredir gravemente o jogador do Nacional, ser expulso e, ao invés de acatar essa decisão inteligentemente e dirigir-se aos balneários, voltou para pedir explicações e, quando os colegas de equipa o tentavam acalmar e dispersar a tensão, repeliu Soares e fez uns gestos para a bancada que parecem ser dirigidos aos familiares (a percepção que tive no estádio foi outra, e era bem pior). O que se soube, logo depois do jogo terminar foi que o jogador abandonou imediatamente o estádio com a família, alegadamente sem permissão de qualquer responsável do Vitória. Estas situações levam-me a crer que o Marega é um jogador emocionalmente instável, indisciplinado, com problemas de controlo, despreocupado e frio o suficiente para abandonar a sua equipa e os seus colegas numa situação em que só se pode culpar a si próprio.

A discussão, essencialmente nas redes sociais, gira em torno de uma pergunta: deve Marega voltar a vestir a camisola do Rei? As opiniões dividem-se e não há forma de chegar a um consenso. Permitam-me que, por momentos, me desvie do tópico principal desta crónica. A camisola do Vitória é de um peso considerável no panorama português. O nosso símbolo é histórico, não só no futebol. A história vitoriana está intimamente ligada com a fundação do nosso país e com todas as lutas travadas para alcançar o objectivo da independência. Cada jogador, adepto, gestor ou treinador que represente o Vitória e que vista a camisola é, para além de um profissional ou de um sócio pagante, um embaixador do clube. Por isso mesmo vestir a camisola do Vitória é de uma extrema responsabilidade e, precisamente por isso, não está ao alcance de todos. Todos aqueles que a vestem, têm de ter consciência de que a camisola é constituída por duas partes. A parte da frente é constituída pelo símbolo, estrategicamente colocado sobre o coração, e a parte de trás tem o nome do jogador. Quem enverga a branquinha não se pode esquecer que a parte da frente da camisola é infinita e inquestionavelmente mais importante do que qualquer nome que esteja escrito atrás. A camisola do Vitória já conheceu muitos nomes. Uns vão ficar para a história, e fizeram de Guimarães uma casa onde serão para sempre acarinhados, enquanto que outros, talvez por não compreenderem a sua insignificância perante o Rei, deixam de ser bem-vindos. Cabe a cada jogador decidir de que lado quer estar. Não sei tudo o que se passou depois, não ouvi o Marega, não conheço o contracto de empréstimo selado com o Porto e por isso mesmo não sei o que vai acontecer a seguir. O que eu sei é que nenhum jogador é, ou será algum dia, maior do que o Vitória. Seja qual for o desfecho deste triste episódio, tenho a certeza absoluta de que nós vamos continuar fortes. O Vitória não é só um jogador e, como se já se viu, tem uma equipa e um colectivo de qualidade que, aliada à força do décimo segundo jogador, esse que não é passageiro e ama eternamente, pode conseguir cumprir e superar todos os objectivos a que se propõe. Não sei se o Marega vai voltar a vestir a nossa camisola mas sei que, se assim for, vai ter de se mostrar humilde e vai ter de trabalhar muito, mas muito, para um dia voltar a merecer o meu aplauso, se é que algum dia o conseguirá. Tenho as minhas dúvidas. Quem não entender que o Vitória é superior a qualquer individualidade então não está cá a fazer nada e a porta é a serventia da casa.

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