terça-feira, 13 de setembro de 2016

Vilões

Foto: Pedro Cunha
Jogar no Dragão é sempre um desafio de extrema dificuldade para o Vitória. Um desafio tão grande que a última vitória no reduto portista foi ainda no antigo Estádio das Antas e data de Abril de 1996. Com golos de Edinho, Ricardo Lopes e Zahovic, o Vitória conseguiu deixar o marcador em 2-3 num jogo em que o Porto até marcou primeiro. Já vão longínquos esses dias e essa equipa que tinha Neno na baliza e Nuno Espírito Santo, o actual treinador do Porto, como opção, tinha os inesquecíveis N'Dinga e Gilmar de quem ainda hoje ouço vitorianos falar com tanto carinho e saudade e um Fernando Meira com 18 anos de idade. O resultado do jogo disputado no passado Sábado foi uma repetição da jornada de abertura da época passada: 3-0. É, naturalmente, um resultado expressivo e que não costuma dar aso a discussões sobre o justo vencedor. A verdade é que o Porto ganhou com mérito, pese embora o auto-golo e outro golo em que a sorte (para nosso azar) teve um papel determinante. Posto isto, e repetindo a minha opinião relativamente ao encontro da época passada, os três pontos ficaram justamente entregues. No entanto, e em ambos os casos, foram resultados enganadores. Apesar de tudo, não foi um jogo nem um resultado preocupante. Ainda há muitos pontos por disputar e tenho confiança de que estamos mais do que a tempo de atingir todos os nossos objectivos e quiçá superá-los.

Nas bancadas foi, como é habitual, o espectáculo dentro do espectáculo protagonizado pelos adeptos vitorianos. Muitos foram os que, de carro ou autocarro, se deslocaram ao Dragão para apoiar a equipa. Durante noventa minutos as vozes não se calaram, os cachecóis não foram escondidos e o símbolo continuava orgulhosamente junto do coração. Mais minutos tivesse o jogo, mais alto as vozes se elevavam. Um estádio tão grande e ainda assim tão pequeno para o nosso amor e tão mínimo comparado à paixão arrebatadora que transborda todos os dias. As palavras nunca serão ilustres e distintas o suficiente para descrever com exactidão o que é fazer parte desta família, o que é ser tão especial numa altura em que os estádios estão cada vez mais desprovidos de pessoas e principalmente de amor, o que é ser uma voz a contribuir para o crescimento de um símbolo tão bonito e especial.

Quem está por "dentro" e quem olha para nós com atenção sabe que somos diferentes, únicos e especiais. Pode parecer um chauvinismo bacoco e até arrogante, mas não é nenhuma dessas coisas. É ser humilde e perceber que os vitorianos são a excepção à regra. Não é difícil encontrar adeptos adversários capazes de reconhecer isso mesmo, apesar de todas as diferenças reconhecem que se em Portugal fossem mais como nós então tínhamos uma Liga bem mais interessante e competitiva. Nós damos um contributo importante para o futebol português e só nega isso quem prefere não ver as coisas exactamente como elas são. No entanto, e por alguma razão, somos sempre apresentados como desordeiros, arruaceiros, como se fossemos piores que os outros todos juntos e até como uma massa adepta violenta. Não somos piores do que ninguém e quem fizer essa distinção então realmente não sabe do que fala. 

Representam-nos de forma tão bárbara porque sabem que somos uma ameaça à norma, ao ortodoxo. Somos disruptivos. Não somos convencionais. O nosso estádio tem mais adeptos do Vitória do que do Benfica, Porto ou Sporting quando eles são nossos adversários. O nosso estádio está sempre bem composto e há cânticos de apoio apaixonados. O nosso apoio pode fazer toda a diferença e pode perfeitamente decidir um jogo e empurrar a equipa para a vitória. Eles sabem disso e ficam assustados com a nossa presença possante, sonora, intensa e poderosa. Mais uma vez, não é arrogância mas sim a realidade. Eles tremem quando sabem que vamos pisar o chão que é deles. Sabem que, por sermos do Vitória, não temos medo do difícil. Não somos santos, os adeptos do Vitória não são só gente boa e de bem. Como em todo o lado, há gente com boas e más intenções. No entanto a imagem que tentam passar de que "em Guimarães só se vai à bola pela violência" é não só ignorante como é uma generalização perigosa.

Apesar da derrota, tudo o resto correu de feição. Correu tudo bem até... deixarmos o estádio. Quem, como eu, já está habituado a ir ver jogos fora em viagens organizadas em autocarros sabe como as coisas funcionam. Acho que, à excepção da deslocação ao Estádio da Luz e talvez pela distância, nunca entrei num autocarro, para me deslocar a qualquer estádio por este Portugal fora, que respeitasse a lotação máxima do veículo e em que toda a gente fosse sentada. Isto acontece nas deslocações do Vitória mas não só. Acontece com todos os adeptos e em todo o lado. Sei disto porque já vi, ninguém me contou. Naturalmente não é aconselhável, e eu entendo isso perfeitamente - na minha vida também não espero não ser repreendida de acordo com a lei se levar seis pessoas num carro que só pode transportar cinco -, mas os profissionais que costumam partir do local de saída em Guimarães e que fazem a escolta até ao destino nunca fizeram nenhum reparo nem nunca impediram a situação. No Sábado não foi excepção. Fizemos a viagem até ao Porto com mais gente do que era permitido nos autocarros e a viagem decorreu sem nenhum percalço. No final a situação foi diferente. Pela primeira vez, e tenho a certeza que foi uma situação inédita, impediram muitos vitorianos de entrar nos autocarros para fazer a viagem que tinham pago, quando tinham feito o percurso inverso da mesma forma umas horas antes. Só deixavam fazer a viagem nos autocarro quem tivesse lugar sentado. O cenário rapidamente se tornou caricato e podia ser hilariante, se não fosse grave: fora dos autocarros estavam mais adeptos do que dentro; fora dos autocarros estavam adeptos que pagaram o mesmo valor pela viagem do que eu mas que, por azar, chegaram dois minutos mais tarde do que eu e foram barrados. 

A polícia foi inflexível e podíamos estar a falar aqui de uma situação bem mais grave se não fossem aqueles que estavam dentro dos autocarros e tantos outros fora deles dizerem que estavam a filmar tudo e portanto as ameaças feitas por muitos daqueles homens com egos inchados pelas fardas e pelo distintivo não passaram mesmo das palavras. A tensão foi palpável até para quem tinha os vidros dos autocarros a separá-los de toda a situação: de um lado estava a polícia com ameaças e a impedir-nos a todos de chegar a casa e do outro lado, à entrada do metro, estavam portistas com provocações e gestos obscenos. Dentro do autocarro estiveram adeptos impedidos de sair, sem jantar (estávamos todos nessa situação), com as portas fechadas e um calor infernal por cerca de meia hora (pode não parecer muito mas numa situação destas e nestas condições parecem horas, principalmente para quem não tolera muito bem as temperaturas altas em espaços fechados, como é o meu caso). A função da polícia é a de proteger e acautelar qualquer situação de cariz violento ou com perigo que possa surgir. Não devem gerar tensão e problemas. No final a situação acabou por não se resolver e muitos adeptos (mesmo muitos) tiveram de fazer a viagem de regresso a Guimarães de comboio, mas primeiro tinham ainda de passar pelo metro onde muitos portistas estavam. Se foi uma questão de segurança (e eu duvido muito, até porque já fizemos viagens bem mais longas com mais gente no autocarro do que o permitido e deixem-me só dar o exemplo de Coimbra, que é bem mais longe do que o Porto) então a solução encontrada pela PSP não foi, de forma nenhuma, a mais adequada. Consegui fazer a viagem de autocarro (se soubesse como se iam desenrolar os acontecimentos nunca tinha entrado) e portanto não sei como correu a viagem dos restantes adeptos mas provavelmente não foi tranquila. Conseguem ver de quem foi a culpa? Eu consigo e estou convicta de que esta situação só aconteceu connosco e todos os outros adeptos vão continuar a poder fazer estas viagens da mesma forma que nós fizemos até agora.

Somos os vilões enquanto continuarem a acreditar em todas as construções da comunicação social sectária. Vamos continuar a ser os vilões porque nunca vamos andar cabisbaixos à procura de migalhas. Vamos continuar a ser vilões porque as nossas vozes vão continuar a ser ouvidas em todos os estádios portugueses. Vamos continuar a ser vilões porque vamos continuar a levantar, sempre mais alto, o nosso símbolo. Vamos continuar a ser vilões porque vamos continuar a ser uma ameaça e a fugir do convencional. Vamos continuar a ser vilões porque não nos vamos nunca vergar aos outros. Que seja assim! Não queremos saber e eles não vão entender. Comecei por falar do histórico de confronto na casa do Porto e comecei por dizer que já não lhes ganhámos há mais de vinte anos. Eu nunca vi o Vitória ganhar ao Porto fora do nosso castelo. Não sou a única, bem pelo contrário. Muitos dos que fizeram a mesma viagem do que eu e estiveram na mesma bancada, comigo, a apoiar com o coração os nossos branquinhos, nunca viram o Vitória ganhar ao Porto no Dragão. E, tal como eu, fazem esta viagem independentemente disso e crentes de que um dia vão ver, de que um dia vão estar lá para ver a vitória e vão ser parte integrante desse momento. Quando o resultado é negativo, sabem que vão lá estar na próxima vez. E na próxima. E na próxima. Como eu sei! Até que não seja possível, até que o coração deixe de bater. 

No final da primeira parte um menino e a mãe sentaram-se mesmo ao meu lado. Tirei os olhos do relvado e fiquei a observá-lo por uns minutos. Apesar de estar sentado, não parava quieto. Sabia cada palavra de todas as músicas, sabia o ritmo, batia palmas, batia com as mãos nas pernas ao ritmo de cada música e os olhos dele brilhavam de contentamento por estar ali. A mãe, junto dele, era igual. Fiquei deliciada com aquele momento e aquele encontro fortuito de gerações unidas por um amor comum. Já não queria saber do resultado e até podíamos ter perdido por seis, oito ou dez. No final não é só isso que interessa. O que interessa é que o futebol não é só futebol mas sim um elo unificador, que nos liga a quem não conhecemos e que une num sítio gente tão distinta e que talvez não se juntasse se não fosse desta forma. Seja na nossa cadeira do nosso estádio, seja numa cadeira qualquer de outro estádio. Não interessa. Ali somos só um, só uma voz e somos responsáveis por erguer o nosso emblema, com a figura do nosso conquistador, o mais alto possível. Isso nós fizemos magistralmente. Fazemos sempre!

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