Todos os animais são iguais. Este era um dos mandamentos escritos numa parede da Quinta dos Animais, na obra homónima de Orwell. Esses mandamentos, inicialmente escritos com o intuito de guiar a conduta dos animais da quinta e para garantir a liberdade e igualdade de todos, foram sofrendo alterações pelas patas dos porcos que, depois de serem apanhados a violar os mandamentos que os próprios estipularam e escreveram, os modificaram para servir os seus propósitos e vontades. Depois de várias alterações, já só restava um único mandamento. Esse mandamento era uma adaptação daquele com que principiei este texto e dizia o seguinte: Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros.
George Orwell foi um génio e a prova disso é a intemporalidade e aplicabilidade das suas obras a todas (ou quase todas) os sectores da sociedade, inclusive no futebol e na imprensa desportiva. Assim que vi as capas dos jornais desportivos de hoje confirmei as minhas suspeitas de ontem. O Moreirense, vencedor da décima edição da Taça CTT, não figura na capa de dois, dos três, jornais desportivos com distribuição nacional. Apenas o jornal O Jogo decidiu destacar o vencedor da competição e A Bola apenas o fez na edição impressa para o Norte do país (não sei se essa edição é para todo o Norte do país ou se é para certas zonas da região).
Nos últimos anos, estes jornais guiaram-se sempre pelos mesmos critérios ao desenhar a capa do dia seguinte à final da Taça da Liga. Através de uma rápida pesquisa online consegui consultar algumas dessas capas, desde o ano de 2010, e constatei que o vencedor foi sempre o grande destaque na capa destes dois jornais. Não me dei ao trabalho de pesquisar as capas d'O Jogo, uma vez que fizeram uma capa digna e que vai de acordo com o que costumam fazer quando se trata de outros clubes. Na capa sempre figurou o vencedor - que, por norma, é o Benfica. Ontem o vencedor não foi o Benfica e o Benfica nem marcou presença na final, mas o destaque é o Benfica. O Record e A Bola (não, a capa da edição nortenha não os desculpa, uma vez que a competição é de âmbito nacional) priorizaram a convocatória dos encarnados à vitória do Moreirense que ontem se tornou no Campeão de Inverno.
Os critérios, subitamente, são outros e o vencedor de uma competição de âmbito nacional e que serve para condecorar o Campeão de Inverno já só merece ser assunto de rodapé. Merece-o porque, para os jornais, o Moreirense é pequeno. Os pequenos sentam-se ao lado, não se sentam na mesa. É triste como as linhas editoriais servem para servir os gostos e agendas pessoais de alguns, ao invés de servir para serem isentos, intelectualmente honestos e éticos. Cada jornal decide aquilo que publica e eu decido não os comprar. Neste país, há apenas três clubes que parecem interessar. Estão acima das outras modalidades, dos outros desportistas e dos outros clubes. É uma dualidade de critérios triste, mas que combina com tudo o resto que se faz no futebol português. Há dois micro-campeonatos de diferentes níveis dentro do nosso campeonato. Um deles, o superior, é disputado a três cores: vermelho, verde e azul. O outro é disputado pelos restantes e, para a comunicação social, não vale por um.
Escrevo hoje, no âmbito do futebol, mas já escrevi anteriormente quando o João Sousa, ao vencer um troféu inédito na história do ténis português, foi relegado para segundo, terceiro ou quarto plano. Podia escrever o mesmo quando Patrícia Mamona ganha uma competição e ela fá-lo tantas vezes! Podia escrever para muitos outros atletas que dignificam o desporto português em todo o mundo, mas que não podem ver os seus feitos nas capas dos jornais. O compromisso da imprensa desportiva portuguesa é com os lucros, nada mais.
A culpa não é só de quem dirige os jornais e gere os seus conteúdos. A culpa é partilhada com os que compram os jornais, os que preferem apoiar o clube que não os representa mesmo que isso signifique rebaixar o clube da sua terra, é do centralismo bacoco e da falta de orgulho na sua cidade, de quem não vê o quão sectaristas são estas decisões. Isto não é uma crítica ao Benfica (porque há sempre quem ache que qualquer coisa que envolva o Benfica é um ataque directo ao clube), não é uma crítica aos benfiquistas que nasceram e cresceram em Lisboa. É uma crítica aos jornais que não respeitam os clubes e os adeptos (acima de tudo, isto é uma falta de respeito tremenda) e uma crítica ao adepto que prefere apoiar a equipa lá de longe, rebaixando a equipa da sua terra e a equipa que o representa. Diz-se com alguma leveza que em Portugal se gosta de futebol. Os portugueses, os actuais campeões europeus de futebol, não gostam de futebol. É uma generalidade que sou obrigada a fazer, por muito que me desagrade. Infelizmente em Portugal vive-se em demasia um fanatismo clubístico que cega.
Parabéns ao Moreirense, pelo percurso incrível e pela conquista merecida desta Taça da Liga. Parabéns ao Braga, por ter chegado à final. Parabéns aos adeptos destes dois clubes que, com civismo, fizeram muitos quilómetros na última semana para apoiar o seu clube, independentemente da sua dimensão. Sempre que um clube como o Moreirense ganha, o futebol ganha outro encanto. Não é o meu clube, o meu coração só tem espaço para o Vitória, mas consigo reconhecer que quantos mais Moreirenses houver mais o futebol português cresce.
22 de Março de 2010. |
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