As drogas apresentavam-se como um caminho alternativo à sociedade consumista e fútil dos anos 90. É um escape à vida sempre igual de todos os outros, pessoas monótonas e todos com os mesmos objectivos. A heroína é um prazer e um grito de revolta dos jovens para quem a sociedade parece não ter espaço. Renton, que se revela capaz de levar uma vida normal, vai narrando episódios da sua vida e da vida dos seus amigos: o inocente e trapalhão Spud (Ewen Bremner), o interesseiro Sick Boy (Johny Lee Miller), o atinado mas que acaba por se tornar como os amigos Tommy (Kevin McKidd) e Begbie (Robert Carlyle), viciado em álcool e violento qb. Sabem o tipo de companhias com quem nenhuma mãe sonha que os seus filhos se dêem? São eles. O pano de fundo são os arredores de Edimburgo, na Escócia e Londres, onde Renton acaba por começar uma vida longe das drogas e arranja um emprego convencional... até que tudo recomeça quando os amigos lhe decidem aparecer à porta.
Injectam-se com heroína pelo prazer mas também pelo desafio, por ser contra o que todos esperam, até porque, segundo Renton, num diálogo frenético em que enumera todas as drogas com ele e os amigos se injectam refere que "até nos injectávamos com Vitamina C, se fosse ilegal". O filme é uma experiência em que não conseguimos ver as personagens como heróis, mas passamos o tempo todo a olhar para ele como se fossem uns desgraçados, até sentirmos pena deles. No entanto não conseguimos evitar uma pergunta no final do filme: afinal quem é mais triste? É a sociedade que tem uma vida normal, sempre igual, planeada ao mais ínfimo pormenor e moralmente aceitável ou este grupo de jovens, que encontra prazer e felicidade no companheirismo que todos têm por compreenderem entre si o vício das drogas e na heroína, sem nunca querer ceder à vida adulta e a um envelhecimento convencional?
Para além do argumento ser extremamente bom, a direcção de Danny Boyle é frenética e soberba. Os desempenhos dos actores foram maravilhosos. A todos estes pontos positivos junta-se mais um: a banda sonora que é de luxo e que faz do filme algo ainda melhor (e eu acho que se bem escolhida e seleccionada, a banda sonora acaba por ser também uma personagem).
No início deste post disse que era um filme mais leve do que o Requiem for a Drem. Sem dúvida que é, mas continua a ser um filme difícil de ver com cenas que de facto nos fazem sentir quase aquilo que as personagens sentem, que nos assombram como quando Renton está em recuperação no quarto da casa dos seus pais e o bebé anda no tecto, enquanto tem uma visão dos seus amigos. Apesar de ser difícil é um filme imperdível, nada convencional e mais do que isso, é uma obra-prima inesquecível do género de que Hollywood anda a precisar neste tempo de crise criativa que por lá paira. Há boas novidades: Danny Boyle anunciou a sequela para 2016 com os mesmos actores e inspirado no livro homónimo de Irvin Welsh (e que eu espero ler em breve no idioma original para que nada se perca na tradução)!
Danny Boyle dirigiu outro filme que eu gosto muito: The Beach com Leonardo DiCaprio no papel principal e dois outros filmes bastante conhecidos e reconhecidos: 127 Hours e Slumdog Millionaire.
P.S.: Trainspotting é, na Inglaterra e na Escócia, o acto de fazer alguma coisa que é uma perda de tempo, nomeadamente escolher um comboio e marcar sempre as horas a que ele passa. É mesmo uma perda de tempo, mas há outras coisas que Renton enumera no início do filme e que corresponde a cada personagem: para si, a heroína, vista como o maior desperdício de tempo. O Sick Boy é obcecado por filmes do James Bond, o Begbie por álcool e lutas de bar, o Spud quer sempre evitar trabalhar e Tommy encontra o seu entretenimento em filmar-se a ter relações sexuais com a namorada.
Sem comentários :
Enviar um comentário