Quanto a mim, eu tenho sentimentos extremamente antagónicos em relação a este filme; se por um lado acho que tem pontos brilhantes e um elenco muito sólido e extremamente bom, por outro sinto que não me consegui sintonizar com o filme na sua totalidade.
O filme é dirigido como se fosse uma peça de teatro, com poucas interrupções. A narração ocorre enquanto deambulamos com as personagens pelos corredores do teatro. É esse estilo que, para mim, faz com que Birdman se distinga de um filme normal.
Riggan (Michael Keaton) é um actor assombrado pela grandiosidade de Birdman, o herói que interpretou à 20 anos e que lhe deu prestígio, antes de entrar numa fase decadente. No entanto, Riggan tenta reerguer-se no teatro - porque o teatro dá prestígio - ao escrever, encenar e actuar numa peça. Esta peça serve não só para se reerguer mas também para calar a voz que o assombra: a voz de Birdman, ele próprio mas muitos anos antes. Para que a peça funcione é necessário que seja protagonizada por bons actores, é aqui que entra Mike (Edward Norton). Mike é o menino querido da Broadway, o preferido da crítica e chega com um método revolucionário para fazer com que a peça resulte. Mas aparentemente esse método pode desviar os holofotes de Riggan; que agora para além de ter de lutar contra si próprio, tem de lutar também contra Mike para ser divinizado pela crítica e assim reconstruir a sua carreira sob bases firmes, porque caso seja contestado pela crítica pode ser o fim da sua carreira!
Michael Keaton e Edward Norton desempenham muito bem os seus papéis e sem dúvida que mereceram as nomeações (não ganharam por mérito dos outros nomeados, nunca por desmérito deles). Um facto curioso é que a ficção mistura-se com a realidade: Michael Keaton não interpretava um personagem de forma tão magistral e tão importante desde 1992, momento em que a sua carreira entrou em decadência; tem em Riggan o papel para recuperar os golden days da sua carreira - um bocadinho como o seu personagem. Emma Stone também se destaca no papel de Sam, a filha desequilibrada e carente de Riggan que sai da reabilitação. A miúda tem muita pinta e talento e uma interpretação positiva. Os actores tiveram uma dificuldade acrescida: o facto de as cenas serem sequenciais, de raramente haver cortes (ou se os há Alejandro torna-os invisíveis) dificulta o trabalho do actor.
Este filme é uma crítica. Uma crítica a Hollywood, uma crítica à indústria do entretenimento de forma global. E mais uma vez, centra-se na necessidade humana pela grandiosidade, pelas palmas quando as cortinas baixam, pela necessidade de sermos grandes e de sermos reconhecidos. Levanta questões importantes: Riggan e Mike fazem-no pela arte como o afirmam ou fazem-no por satisfação própria, para se tornarem imortais, pela fama? É uma sátira também aos críticos que julgam e desvalorizam os actores consagrados antes mesmo de ver o seu trabalho.
Concluindo, eu gostei da experiência de ver Birdman no nível técnico. A fotografia e a realização são brilhantes, são outside the box, são muito peculiares e eu adoro novas experiências. Birdman é, sem qualquer dúvida, uma incrível experiência cinematográfica. No entanto, não consegui criar nenhuma ligação emocional com o filme, não consegui sintonizar-me. Por isso digo que é antagónico: se por um lado gostei da parte técnica e da novidade e da ousadia, deixou a desejar em tudo o resto. E geralmente, eu valorizo "tudo o resto" um bocadinho mais.
P.S.: Fiquei muito contente por ver Alejandro levar o Óscar de Melhor Realizador, é o segundo mexicano da história a vencer o Óscar (o primeiro foi Alfonso Cuáron, o ano passado, com Gravity). Merece por ter sido arrojado e ter apresentado um trabalho consistente enquanto realizador e um trabalho inegavelmente bom. Mas não dava o Óscar de Melhor Filme a Birdman exactamente pelo que já disse: distingue-se principalmente pela forma como é filmado, pela montagem e pela fotografia (3 dos 4 óscares que ganhou) mas, apesar do elenco magnífico, não consegui criar empatia pelas personagens ou pelo filme em si. Foi um problema exclusivamente meu?
P.S. 2: Certamente já perceberam que o filme tem um segundo título: The Unexpected Virtue of Ignorance. Eu questionei-me imediatamente o porquê de ter um segundo título e tentei pesquisar. Não encontrei nenhuma explicação vinda directamente de Alejandro e portanto cada um pode interpretar como quiser esse acrescento; há quem defenda que é devido à crítica que Tabitha Dickinson faz da peça de teatro de Riggins. Trocando isto por miúdos: Riggins não pertence ao teatro, é um amador e para ela as características de um actor de cinema não são as cacterísticas ideiais para quem pretende trabalhar no teatro. Tabitha já viu muito teatro que não respeita as normas e a maioria foi uma má experiência. No entanto, Riggins surpreende-a e apresenta um trabalho agradável e consistente; é a inesperada virtude da ignorância.